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STJ determina transferência imediata de mulher trans para presídio feminino por autodeclaração de gênero

Decisão reconheceu constrangimento ilegal na permanência da custodiada em presídio masculino, contrariando sua identidade de gênero

O Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, integrante da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), concedeu habeas corpus de ofício para assegurar a transferência imediata de uma mulher trans para a Penitenciária Feminina do Distrito Federal (PFDF), com base em sua autodeclaração de identidade de gênero. A decisão reconheceu a existência de constrangimento ilegal na manutenção da custodiada em unidade prisional masculina, em desrespeito à sua vontade expressa.

A ordem foi expedida mesmo diante do não conhecimento formal do habeas corpus, por se tratar de substitutivo de recurso próprio. O relator destacou, no entanto, que a excepcionalidade da situação autorizava a concessão da ordem para cessar a ilegalidade apontada.

Contexto da decisão

O caso envolve Samantha Batista Almeida, registrada civilmente como Rafael Batista Almeida, condenada a mais de 38 anos de reclusão. Em 2023, foi deferido o pedido de sua transferência para a PFDF com base em sua autodeclaração como mulher trans. Contudo, após breve retorno ao presídio masculino por iniciativa própria, novo pedido de retorno à ala feminina foi negado pela Vara de Execuções Penais do Distrito Federal.

A negativa judicial fundamentou-se na alegação de que sucessivas transferências poderiam comprometer a segurança e a estabilidade do sistema prisional. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, mesmo após novos documentos e manifestações reiterando a identidade de gênero da paciente.

Questão jurídica envolvida

A controvérsia jurídica girou em torno da possibilidade de a pessoa trans presa alterar sua escolha quanto ao local de cumprimento da pena, conforme previsto na Resolução CNJ 348/2020. O STJ reforçou que o direito à autodeterminação da identidade de gênero deve prevalecer e que o Judiciário tem o dever de consultar a pessoa presa sobre sua preferência, bem como respeitar essa escolha sempre que manifestada, inclusive em momento posterior.

A Corte reconheceu que condicionar a permanência da custodiada em unidade prisional feminina a uma única manifestação de vontade anterior configura afronta à dignidade da pessoa humana e contraria os princípios constitucionais aplicáveis à execução penal.

Fundamentos jurídicos do julgamento

O voto do relator baseou-se na Resolução CNJ 348/2020, modificada pela Resolução CNJ 366/2021, que determina a oitiva da pessoa presa quanto à sua identidade de gênero e preferência de custódia. A jurisprudência da Corte também foi citada para afirmar que é ilegal manter mulher trans em presídio masculino contra sua vontade, devido aos riscos físicos e morais enfrentados nessa condição.

Foi destacada ainda a decisão proferida na ADPF 527/DF pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu o direito de pessoas trans à escolha da unidade prisional compatível com sua identidade de gênero. A Corte pontuou que essa escolha pode ser revista, sempre que houver nova manifestação, devendo o Estado assegurar proteção integral à integridade física e psíquica da pessoa custodiada.

Impactos práticos da decisão

A decisão reafirma a obrigatoriedade do cumprimento das normas que asseguram o respeito à identidade de gênero no sistema prisional. O STJ determinou que o Juízo da Execução Penal realize, com urgência, nova indagação formal sobre a preferência da paciente e promova sua imediata transferência para presídio compatível com sua identidade.

Além disso, determinou-se que todos os registros prisionais da custodiada passem a refletir seu nome social, com base em normativas federais e distritais. O caso reforça o entendimento jurisprudencial sobre os direitos da população LGBTI+ privada de liberdade e a responsabilidade do Poder Judiciário na garantia de sua efetividade.

Legislação de referência

Resolução CNJ 348/2020, com redação dada pela Resolução CNJ 366/2021
Art. 7º Em caso de prisão da pessoa autodeclarada parte da população LGBTI, o local de privação de liberdade será definido pelo magistrado em decisão fundamentada.
§ 1º A decisão que determinar o local de privação de liberdade será proferida após questionamento da preferência da pessoa presa […].

Decreto n. 8.727/2016 – Governo Federal
Dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

Ordem de Serviço n. 345/2017 – Governo do Distrito Federal
Dispõe sobre a adoção do nome social nos registros de pessoas privadas de liberdade no DF.

ADPF 527/DF – STF
Reconhece o direito de pessoas trans de optar pela unidade prisional compatível com sua identidade de gênero, visando proteger sua integridade física e moral.

Processo relacionado: Habeas Corpus 955966 – DF

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