O Supremo Tribunal Federal (STF), por decisão do ministro Flávio Dino, suspendeu na última sexta-feira (24) os efeitos do Decreto Estadual 48.893/2024, de Minas Gerais, que restringia a realização de consultas prévias a povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais em casos de licenciamento ambiental. A decisão apontou que a norma estadual tratou de matéria cuja competência é privativa da União.
Questão jurídica envolvida
A principal controvérsia diz respeito à competência legislativa. O ministro Flávio Dino entendeu que o decreto estadual abordou temas regulados pela União, como a definição de “terra indígena” e a regulamentação do direito à consulta prévia. Esse direito está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro, e estabelece que os povos afetados por projetos ou políticas devem ser consultados de forma livre, prévia e informada.
Na decisão, o ministro destacou que normas estaduais não podem limitar a aplicação desse instituto, já que a convenção possui hierarquia supralegal no Brasil e regula o direito das comunidades atingidas, cabendo à União sua regulamentação.
Fundamentos jurídicos do julgamento
O Decreto Estadual 48.893/2024, entre outros pontos, estabelecia que a consulta só seria realizada se o licenciamento ambiental afetasse terras indígenas reconhecidas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e homologadas pela União. Para as comunidades quilombolas, a norma exigia certificação pela Fundação Cultural Palmares, enquanto os povos e comunidades tradicionais deveriam ser certificados pela Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais.
O ministro Flávio Dino apontou que essas limitações restringem a abrangência do direito à consulta, contrariando os parâmetros definidos pela Convenção 169 da OIT. Além disso, afirmou que a norma estadual extrapola a competência legislativa ao tratar de questões reservadas à União, o que torna o decreto inconstitucional.
Impactos práticos da decisão de Flávio Dino
Com a suspensão, o direito à consulta prévia volta a ser assegurado em conformidade com as normas nacionais e internacionais. A decisão também reforça a jurisprudência do STF sobre a competência exclusiva da União para legislar sobre os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais, garantindo maior proteção a esses grupos.
A liminar, concedida no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7776, foi solicitada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). O caso será submetido ao Plenário do STF, que analisará a medida em sessão virtual de 14 a 21 de fevereiro.
Legislação de referência
Convenção 169 da OIT
Art. 6º – Os governos deverão:
- Consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, por meio de suas instituições representativas, sempre que se prevejam medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente.
Constituição Federal
Art. 231 – São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
Processo relacionado: ADI 7776