A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que, na fase de cumprimento de sentença, o juízo pode expedir ofícios a corretoras de criptoativos com o objetivo de localizar e penhorar valores em nome do devedor. A decisão reforça que as criptomoedas integram o patrimônio do executado e são passíveis de medidas constritivas.
Contexto da decisão
A controvérsia teve origem em processo de execução de título judicial, em que a credora buscava a satisfação de débito no valor de R$ 2.285,34. Após tentativa frustrada de localização de bens via SISBAJUD, foi requerido o envio de ofícios às exchanges. O Tribunal de Justiça de São Paulo havia indeferido o pedido, alegando falta de regulamentação e ausência de indícios de existência dos ativos digitais. O STJ reformou essa decisão, entendendo que tais entraves não impedem o uso da medida para viabilizar a penhora.
Fundamentos jurídicos do julgamento
O voto condutor destacou que os criptoativos integram o patrimônio do devedor, nos termos do artigo 789 do Código de Processo Civil (CPC), que prevê a responsabilização com todos os bens presentes e futuros. Também foram mencionados a Instrução Normativa RFB 1.888/2019, que obriga a comunicação de transações com criptoativos à Receita Federal, e a Lei 14.478/2022, que traça diretrizes iniciais para regulação do setor. A Corte enfatizou que a ausência de regulação não exclui a natureza patrimonial dos ativos nem impede sua constrição judicial.
Impactos práticos da decisão
A decisão consolida o entendimento de que o credor pode buscar criptoativos como forma de satisfazer créditos em execução, ampliando os instrumentos disponíveis para localização de bens. Ainda que desafios técnicos persistam — como a volatilidade dos ativos, a custódia segura e o pseudoanonimato das transações —, a jurisprudência reconhece a legitimidade da medida, cabendo ao juízo ponderar, no caso concreto, a utilidade e os limites da diligência solicitada. A decisão também incentiva o avanço de iniciativas como o sistema “CriptoJud”, em desenvolvimento pelo CNJ.
Legislação de referência
Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015)
Art. 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.
Instrução Normativa RFB 1.888/2019
Art. 1º Esta Instrução Normativa institui a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB), nos termos aqui disciplinados.
Art. 2º Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, considera-se:
I – criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal;
II – exchange de criptoativo: a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos.
Lei 14.478/2022
Art. 13. As disposições do Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, aplicam-se, no que couber, às operações conduzidas no mercado de ativos virtuais.
Art. 14. Esta Lei entra em vigor após decorridos cento e oitenta dias de sua publicação oficial.
Processo relacionado: Recurso Especial 2.127.038/SP