O Supremo Tribunal Federal (STF) foi provocado pela Procuradoria-Geral da República a rever aspectos da recente tese que mantém o foro privilegiado para autoridades mesmo após o encerramento de seus mandatos. Mas o que motivou esse pedido e quais as consequências dessa discussão para o sistema de Justiça? Neste artigo, explicamos o caso, os fundamentos do recurso e os possíveis impactos do julgamento.
O recurso foi apresentado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, por meio de embargos de declaração. A petição busca aperfeiçoar a aplicação da nova orientação fixada pelo Plenário do STF em março de 2025, durante sessão virtual. Na ocasião, a Corte decidiu que o foro por prerrogativa de função deve ser mantido se os crimes tiverem conexão com o exercício do cargo, ainda que a autoridade não esteja mais em função.
O que motivou o pedido da Procuradoria-Geral da República?
A manifestação do procurador-geral surgiu diante de situações processuais em que a aplicação imediata da nova tese resultou em deslocamentos de competência do Judiciário. Em alguns casos, processos que já se encontravam avançados em outras instâncias – com provas colhidas e audiências realizadas – foram reenviados ao STF. Para o PGR, essa movimentação pode gerar retrocesso processual, comprometer investigações e provocar prescrição de crimes.
Além disso, o chefe do Ministério Público Federal argumentou que o juiz natural do feito, ao conduzir diretamente a instrução probatória, encontra-se em posição institucional privilegiada para julgar a causa, o que reforça a necessidade de manter os processos na instância onde houve desenvolvimento probatório substancial.
Qual a controvérsia jurídica sobre o foro privilegiado?
O debate gira em torno do entendimento anterior firmado na AP 937, segundo o qual o foro por prerrogativa de função se aplica apenas enquanto a autoridade estiver no cargo e para crimes relacionados às suas funções. A nova orientação, no entanto, sustenta que o critério determinante é a natureza do fato – se o crime foi cometido em razão das funções públicas – e não mais o vínculo atual com o cargo.
O novo entendimento foi firmado no julgamento conjunto do HC 232627 e do INQ 4787, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, e permite que o STF continue competente mesmo quando o processo for instaurado após o fim do mandato da autoridade.
Quais os argumentos do STF ao alterar o entendimento?
A tese fixada pelo STF visa estabilizar a competência jurisdicional, evitando que a saída do cargo funcione como instrumento para atrasar ou enfraquecer investigações. Segundo o relator, o critério anterior favorecia manobras políticas e instabilidade no processamento das ações penais.
Com a nova orientação, os atos processuais praticados sob a tese anterior permanecem válidos, mas os casos em curso devem ser reavaliados à luz da nova regra, o que tem provocado deslocamentos de processos de volta ao STF.
Quais os impactos do pedido da PGR?
Caso acolhido, o pedido do procurador-geral pode levar o STF a modular os efeitos da nova tese, estabelecendo parâmetros mais claros sobre quando manter os processos na instância de origem. Isso pode minimizar riscos de nulidades, retrocessos processuais e eventuais prescrições, além de conferir segurança jurídica às partes envolvidas.
O pedido ainda será analisado pelo ministro Nunes Marques, relator do caso. Caso rejeitado, o PGR solicita que o tema seja levado ao Plenário para nova deliberação colegiada.
Legislação de referência
Constituição Federal de 1988
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;
Processo relacionado: HC 232627, INQ 4787