A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu, no julgamento do Tema Repetitivo 1.318, que a premeditação pode ser utilizada como fundamento para aumentar a pena-base na primeira fase da dosimetria, especificamente na análise da circunstância judicial da culpabilidade. O entendimento foi firmado com base nos artigos 59 do Código Penal e 926 a 928 do Código de Processo Civil, e estabelece diretriz vinculante para os demais tribunais do país.
A decisão unifica o entendimento das duas turmas penais da corte e reforça a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a possibilidade de considerar a premeditação como fator de reprovação da conduta, desde que observadas limitações destinadas a evitar bis in idem — ou seja, a punição dupla pelo mesmo fato.
Premeditação exige análise individualizada e não pode ser tratada automaticamente
Segundo o relator dos recursos repetitivos, desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo, a premeditação não constitui, por si só, circunstância legal autônoma prevista no Código Penal, mas pode ser legitimamente valorada como indicativo de maior reprovabilidade da conduta do agente, desde que não esteja prevista como elementar do tipo penal, como agravante genérica ou como qualificadora da infração.
O relator enfatizou que a valoração da premeditação deve ser circunstanciada e fundamentada, demonstrando-se no caso concreto que o agente teve tempo suficiente para refletir sobre a conduta e, mesmo assim, decidiu cometê-la, revelando grau de censura acima do ordinário. A decisão afasta a possibilidade de aplicação automática da premeditação como fator agravante da pena.
“Por não se tratar de elemento necessário à conformação típico-penal, não configurando conditio sine qua non para a realização da conduta dolosa, a objeção da ne bis in idem não é adequada para afastar, em abstrato, a admissibilidade da exasperação da pena com lastro na premeditação”, afirmou o relator.
Culpabilidade e artigo 59 do Código Penal
A dosimetria da pena no direito penal brasileiro segue o sistema trifásico, conforme consagrado no artigo 68 do Código Penal. Na primeira fase, o juiz analisa as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, entre elas a culpabilidade, que diz respeito à reprovabilidade da conduta diante das condições subjetivas do agente.
A Terceira Seção destacou que, quando a premeditação não integra o tipo penal (como nos casos de homicídio qualificado por emboscada ou motivo torpe) nem constitui pressuposto de agravantes genéricas ou específicas, ela pode agravar a culpabilidade, desde que haja motivação expressa e adequada no caso concreto. Isso preserva os princípios da individualização da pena e da vedação à dupla valoração negativa.
Tese firmada com força vinculante
Ao final do julgamento, foi aprovada a seguinte tese repetitiva: “A premeditação pode justificar a valoração negativa da circunstância da culpabilidade, desde que não constitua elementar do tipo penal, pressuposto de agravante legal ou de qualificadora, e desde que demonstrada sua efetiva ocorrência e a maior reprovabilidade da conduta no caso concreto.”
Nos termos do artigo 927, inciso III, do Código de Processo Civil, a decisão vincula os órgãos jurisdicionais de instâncias inferiores, reforçando a uniformização da jurisprudência em matéria penal.
Aplicações e limites da tese
A decisão tem repercussão relevante para a jurisprudência penal, especialmente nos casos em que a premeditação não está prevista como qualificadora. Casos como homicídios simples, lesões corporais e outros crimes dolosos poderão ter a culpabilidade agravada se ficar demonstrado que o agente deliberou com tempo suficiente e plena consciência sobre o crime a ser cometido.
Por outro lado, o STJ ressalvou que, se a premeditação for indispensável para a configuração da conduta típica ou do elemento qualificativo (como ocorre em crimes cometidos por motivo torpe ou com recurso que dificultou a defesa da vítima), não poderá ser valorada novamente na dosimetria, sob pena de violação à vedação do bis in idem.
Processos relacionados: REsp 2.046.066/SP e REsp 2.079.120/SP