O habeas corpus foi impetrado pelo Ministério Público Militar (MPM) em favor de um capitão e um subtenente do Exército, investigados por supostas irregularidades em processo licitatório envolvendo fornecimento de gêneros alimentícios ao Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de Porto Alegre (CPOR/PA), no Rio Grande do Sul.
As investigações do Inquérito Policial Militar (IPM) indicam práticas irregulares no Setor de Aprovisionamento da unidade, com indícios de favorecimento e possível enriquecimento ilícito. Com base nos elementos iniciais, o MPM tentou negociar um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), conforme previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal. A solicitação, entretanto, foi rejeitada pelo Juiz Federal da Justiça Militar da 1ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária Militar, com base na súmula do STM que veda o uso desse instrumento.
Fundamentos jurídicos do julgamento
O relator do caso, ministro José Barroso Filho, fundamentou sua decisão na Súmula nº 18 do STM, que considera inaplicável o ANPP na Justiça Militar da União. A decisão destacou que, embora o Supremo Tribunal Federal tenha admitido a aplicação do acordo no processo penal militar (HC 232.254/PE), essa interpretação não tem efeito vinculante para a Justiça Militar da União.
O voto do relator foi seguido à unanimidade pelos demais ministros do STM, consolidando o entendimento de que as normas processuais penais comuns não se aplicam automaticamente ao processo penal militar, sobretudo em casos envolvendo crimes militares ou conexos.
Questão jurídica envolvida
A controvérsia jurídica no caso envolveu o possível conflito entre o entendimento consolidado do STM, que exclui a aplicação do ANPP na esfera castrense, e a interpretação recente do Supremo Tribunal Federal, que admite tal possibilidade. A promotoria de primeira instância sustentou que o artigo 28-A do Código de Processo Penal, inserido pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), pode ser aplicado de forma subsidiária ao processo penal militar.
Apesar desse argumento, prevaleceu o entendimento da Corte Militar de que a desjudicialização penal prevista para o processo comum não se estende automaticamente à jurisdição militar, preservando a autonomia institucional do STM.
Impactos práticos da decisão
Com a denegação do habeas corpus, o Inquérito Policial Militar seguirá regularmente. A decisão também evidencia uma divergência interna no próprio Ministério Público Militar, já que o subprocurador-geral de Justiça Militar manifestou-se contrariamente ao acordo, em sentido oposto ao promovido pelo promotor de primeira instância.
Ao manter a aplicação da súmula, o STM reforça sua jurisprudência de que mecanismos de justiça negociada, como o ANPP, ainda não têm respaldo no contexto da Justiça Militar da União.
Legislação de referência
Código de Processo Penal — Artigo 28-A
O Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal nos casos em que a infração penal for cometida sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos.
Súmula nº 18 do STM
É inaplicável o acordo de não persecução penal no âmbito da Justiça Militar da União.
Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime)
Altera dispositivos do Código Penal, do Código de Processo Penal e de outras leis, instituindo, entre outros, o acordo de não persecução penal.
Processo relacionado: Habeas Corpus Criminal 7000712-38.2024.7.00.0000/RS