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STJ: desconsideração da personalidade jurídica não pode alcançar bens de terceiros sem vínculo com devedores

STJ afasta responsabilização de filhos de sócios por dívidas de empresas em caso de confusão patrimonial

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, previsto no artigo 50 do Código Civil, não pode ser utilizado para alcançar o patrimônio de terceiros que não possuem qualquer vínculo jurídico com as sociedades devedoras. A decisão foi proferida no julgamento do Recurso Especial 1.792.271-SP.

Contexto e histórico da decisão

O recurso teve origem em execução na qual o credor buscava responsabilizar os filhos dos sócios de empresas atingidas por desconsideração da personalidade jurídica, alegando que esses filhos teriam sido beneficiados por doações de bens realizadas após o surgimento da dívida. O Tribunal de origem havia limitado a responsabilização apenas aos bens recebidos em doação após a constituição da obrigação.

Entretanto, o STJ reformou esse entendimento, destacando que a responsabilização patrimonial por meio da desconsideração exige vínculo jurídico direto com as sociedades envolvidas. Terceiros, ainda que tenham recebido bens dos sócios, não podem ser atingidos por essa medida, especialmente quando não há confusão patrimonial entre eles e as empresas.

Fundamentos jurídicos do julgamento

O relator, Ministro Antonio Carlos Ferreira, ressaltou que a desconsideração da personalidade jurídica visa atingir o patrimônio de sócios ou empresas do mesmo grupo econômico, quando há abuso da personalidade jurídica caracterizado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial. O artigo 50 do Código Civil não autoriza, nem mesmo por interpretação ampliativa, a responsabilização de filhos dos sócios unicamente por terem sido beneficiados com doações.

Além disso, a Corte afirmou que o reconhecimento de fraude contra credores depende do ajuizamento de ação pauliana, conforme os artigos 158, §2º, 161 e 165 do Código Civil. Essa medida não pode ser substituída por simples requerimento incidental no processo executivo, ainda que haja suspeita de fraude.

O STJ destacou, ainda, que não se pode confundir os fundamentos e procedimentos da desconsideração com os de outras ações restitutórias, como a ação revocatória falencial ou a própria ação pauliana. Cada instituto possui requisitos específicos que devem ser observados.

Impactos práticos da decisão

A decisão delimita com precisão os contornos da desconsideração da personalidade jurídica, afastando sua utilização como meio genérico para atingir bens de terceiros alheios à sociedade devedora. O entendimento reforça a necessidade de observância ao devido processo legal e aos instrumentos jurídicos próprios, como a ação pauliana, para o reconhecimento de eventual fraude contra credores.

Com isso, preserva-se a segurança jurídica nas relações patrimoniais e limita-se o alcance da responsabilização civil a hipóteses legalmente previstas, protegendo terceiros de boa-fé que não tenham vínculo direto com os atos societários.

Legislação de referência

Código Civil (CC/2002):

Art. 50 – Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Art. 158, §2º – Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles.

Art. 161 – Rescindido o contrato por fraude contra credores, tem o credor o direito de haver do devedor os bens alienados.

Art. 165 – Reputar-se-á também em fraude contra credores a remissão da dívida feita pelo devedor insolvente.

Lei 11.101/2005:

Art. 129 – São ineficazes em relação à massa falida os atos praticados pelo devedor, antes da decretação da falência.

Art. 130 – A ineficácia poderá ser declarada pelo juiz de ofício, ou mediante provocação do administrador judicial, do comitê ou de qualquer credor.

Processo relacionado: Recurso Especial 1.792.271-SP

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