O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a repetição de provas ou a semelhança entre fatos já analisados em outros processos não constitui impedimento para a instauração de novas ações penais, desde que não haja coisa julgada material. A decisão foi proferida pelo ministro Ribeiro Dantas no Recurso em Habeas Corpus 195496/PR, que negou pedido de trancamento de diversas ações penais contra uma médica investigada por supostos homicídios na UTI de hospital em Curitiba.
Segundo a defesa, as ações penais derivam de provas obtidas em buscas genéricas, com base em fatos já objeto de absolvições anteriores, o que violaria o princípio do non bis in idem. O STJ, no entanto, entendeu que não há impedimento legal à abertura de novos processos quando as decisões anteriores ainda não têm caráter definitivo e que a reapreciação de provas deve ocorrer no curso regular das ações penais.
Contexto da decisão e histórico do caso
A médica figura como ré em múltiplas ações penais baseadas na apreensão de prontuários médicos de pacientes que faleceram na UTI do Hospital Evangélico de Curitiba entre 2006 e 2013. A medida de busca e apreensão foi autorizada judicialmente com base em indícios de prática de homicídios no exercício da função. A defesa alegou nulidades na obtenção das provas, incluindo quebra da cadeia de custódia e ausência de individualização das vítimas.
Ainda segundo os autos, parte das provas já foi analisada em processos anteriores, nos quais a investigada foi absolvida sumariamente. A defesa sustentou que os novos processos violam a segurança jurídica e caracterizam reiteração de acusações com base nos mesmos elementos.
Questão jurídica envolvida
O STJ reafirmou que o princípio do non bis in idem não é violado quando inexistente coisa julgada material. No entendimento do relator, cada ação penal deve ser examinada com base nas particularidades do caso concreto, e as absolvições anteriores não impedem novas persecuções, sobretudo quando essas decisões ainda são passíveis de modificação por instâncias superiores.
A Corte também destacou que não se verifica constrangimento ilegal se o conteúdo probatório ainda será examinado na instrução processual, sob as garantias do contraditório e da ampla defesa.
Fundamentos jurídicos do julgamento
O acórdão registrou que alegações genéricas sobre ausência de justa causa ou repetição de provas não são suficientes para o trancamento de ações penais, que somente é cabível em hipóteses excepcionais. A jurisprudência do STJ estabelece que a análise de provas não pode ser aprofundada em habeas corpus, pois essa via processual não comporta dilação probatória.
A decisão também rejeitou as alegações de nulidade na obtenção das provas, afirmando que a busca e apreensão foi devidamente fundamentada e autorizada por decisão judicial válida. Quanto à cadeia de custódia, o STJ observou que a maioria das provas foi produzida antes da entrada em vigor dos artigos 158-A a 158-F do Código de Processo Penal, o que afasta a alegada irregularidade.
Legislação de referência
Art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal:
“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”
Art. 648, inciso I, do Código de Processo Penal:
“A coação considerar-se-á ilegal: I – quando não houver justa causa.”
Art. 158-A do Código de Processo Penal:
“Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.”
Súmula 7 do STJ:
“A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”
Processo relacionado: Recurso em Habeas Corpus 195496/PR