A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não cabe aplicar as sanções previstas no artigo 104-A, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) ao credor que comparece à audiência de repactuação de dívidas do processo de superendividamento acompanhado de advogado com plenos poderes para transigir, ainda que não apresente proposta concreta de negociação.
Contexto da decisão
A controvérsia teve origem em ação movida por consumidor superendividado contra o Paraná Banco S/A, no âmbito de processo instaurado com base na Lei 14.181/2021. O juiz de primeiro grau aplicou ao banco as sanções do artigo 104-A, § 2º, do CDC, por entender que a ausência de proposta de repactuação na audiência configuraria conduta violadora dos princípios da boa-fé e da cooperação. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve essa decisão.
Fundamentos jurídicos do julgamento
O STJ entendeu que a apresentação da proposta de plano de pagamento é ônus do consumidor, conforme previsto no caput do artigo 104-A do CDC. Assim, não é possível impor ao credor a obrigação de apresentar proposta de renegociação, tampouco aplicar-lhe penalidades legais por sua ausência.
O relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, destacou que as sanções do § 2º do artigo 104-A do CDC — como a suspensão da exigibilidade do débito e a sujeição ao plano de pagamento — só são cabíveis quando o credor não comparece à audiência ou comparece sem poderes para transigir. Segundo ele, exigir do credor uma proposta ativa de negociação extrapola os limites da legislação, ainda que sob o argumento de princípios como boa-fé e cooperação.
Impactos práticos da decisão
A decisão delimita o alcance das obrigações dos credores na fase conciliatória do tratamento do superendividamento, afastando a imposição de sanções quando comparecem devidamente representados. A ausência de proposta por parte do credor não equivale, por si só, ao descumprimento do dever legal, o que reforça a segurança jurídica no cumprimento das normas do CDC.
No entanto, o STJ reconheceu a possibilidade de o juiz, em fase judicial e mediante fundamentação, adotar medidas cautelares previstas no § 2º do artigo 104-A do CDC, como a suspensão da exigibilidade da dívida, desde que preenchidos os requisitos legais.
Legislação de referência
Código de Defesa do Consumidor – Art. 104-A, § 2º
“O não comparecimento injustificado de qualquer credor, ou de seu procurador com poderes especiais e plenos para transigir, à audiência de conciliação de que trata o caput deste artigo acarretará a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora, bem como a sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor, devendo o pagamento a esse credor ser estipulado para ocorrer apenas após o pagamento aos credores presentes à audiência conciliatória.”
Código de Defesa do Consumidor – Art. 104-A, caput
“A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.”
Processo relacionado: Recurso Especial 2.191.259