A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a habilitação de crédito em processo de inventário judicial somente pode ser acolhida quando houver manifestação expressa dos herdeiros concordando com o pedido. A decisão foi unânime no julgamento do Recurso Especial 2176470, e negou provimento à pretensão de credores que buscavam ver seu crédito reconhecido com base apenas na ausência de oposição pelos herdeiros.
Questão jurídica envolvida
O julgamento abordou a interpretação dos artigos 642, §2º, e 643 do Código de Processo Civil. A controvérsia girou em torno da possibilidade de se considerar a inércia dos herdeiros como concordância tácita à habilitação de crédito requerida por terceiros no processo de inventário. O STJ firmou o entendimento de que a habilitação, por não possuir natureza contenciosa, exige consenso expresso dos interessados, o que não se pode presumir a partir do silêncio ou da ausência de impugnação.
Contexto da decisão
O recurso foi interposto por empresas credoras do espólio de Guilherme Wiederkehr, que buscavam a habilitação de crédito no valor de R$ 608.039,08, referente a contratos de locação comercial firmados com o falecido. O inventariante e os herdeiros não se manifestaram sobre o pedido, e a habilitação foi indeferida pelo juízo de origem. O Tribunal de Justiça do Paraná manteve a decisão, determinando que a pretensão fosse discutida pelas vias ordinárias. A reserva de bens, no entanto, foi autorizada devido à existência de prova documental do crédito.
Fundamentos jurídicos do julgamento
Segundo o relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o procedimento de habilitação de crédito em inventário constitui incidente de jurisdição voluntária. Por essa razão, não há possibilidade de substituição da vontade das partes por decisão judicial impositiva, sem a observância do contraditório. Assim, o STJ entendeu que a concordância dos herdeiros deve ser inequívoca e exteriorizada de forma clara, não podendo decorrer do simples silêncio. A decisão reafirma que, havendo discordância ou omissão, o credor deve recorrer às vias processuais ordinárias, como a ação de cobrança ou execução.
Impactos práticos da decisão
A decisão uniformiza o entendimento sobre a necessidade de manifestação expressa dos herdeiros para a habilitação de créditos no inventário, limitando o papel do juízo sucessório nos casos em que não há consenso. O credor poderá obter apenas a reserva de bens, desde que comprove documentalmente o crédito, devendo discutir o mérito da dívida em ação autônoma. A medida protege os direitos dos herdeiros e preserva os princípios do devido processo legal e do contraditório.
Legislação de referência
Código de Processo Civil
Art. 642. Antes da partilha, poderão os credores do espólio requerer ao juízo do inventário o pagamento das dívidas vencidas e exigíveis.
§ 2º Concordando as partes com o pedido, o juiz, ao declarar habilitado o credor, mandará que se faça a separação de dinheiro ou, em sua falta, de bens suficientes para o pagamento.
Art. 643. Não havendo concordância de todas as partes sobre o pedido de pagamento feito pelo credor, será o pedido remetido às vias ordinárias.
Código Civil
Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, cada herdeiro responde por elas na proporção da parte que na herança lhe coube.
Código de Processo Civil
Art. 619. Incumbe ainda ao inventariante, ouvidos os interessados e com autorização do juiz:
III – pagar dívidas do espólio.
Código de Processo Civil
Art. 154.
Parágrafo único. Certificada a proposta de autocomposição prevista no inciso VI, o juiz ordenará a intimação da parte contrária para manifestar-se, no prazo de 5 (cinco) dias, sem prejuízo do andamento regular do processo, entendendo-se o silêncio como recusa.
Processo relacionado: Recurso Especial 2176470