A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que um imóvel residencial pertencente ao espólio e utilizado como moradia por herdeiros é impenhorável, nos termos da Lei 8.009/1990. A decisão reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), que havia mantido arresto sobre o bem para garantir dívida contraída em vida pelo autor da herança.
A controvérsia girava em torno da possibilidade de constrição judicial de um bem de família integrante do espólio, ainda não partilhado formalmente, mas ocupado pelos herdeiros. O STJ entendeu que a proteção da moradia se estende ao espólio, mesmo que não haja averbação da partilha na matrícula do imóvel.
Contexto da decisão
A ação originária foi proposta pela sucessão de um antigo sócio de empresa falida, cobrando da sucessão de outro sócio (Hans Baumann) valores referentes a uma dívida trabalhista. O imóvel residencial do falecido Hans, localizado em Porto Alegre (RS), foi objeto de arresto judicial como forma de assegurar o pagamento da indenização.
O TJRS manteve o arresto com base na inexistência de partilha e na responsabilidade do espólio pelas dívidas do falecido. A defesa da sucessão de Hans Baumann, no entanto, sustentou que o imóvel era o único bem da família, servindo de moradia para os filhos, entre eles um herdeiro incapaz, o que justificaria a proteção legal da impenhorabilidade.
Fundamentos jurídicos do julgamento
O Ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do recurso especial, destacou que a impenhorabilidade do bem de família não se desfaz com a morte do proprietário, desde que o imóvel continue sendo utilizado como residência familiar. A proteção prevista na Lei 8.009/1990 é de ordem pública e busca assegurar o direito fundamental à moradia.
Segundo o relator, o princípio da saisine — previsto no artigo 1.784 do Código Civil — garante a transmissão imediata da posse e da propriedade dos bens aos herdeiros, permitindo-lhes invocar a proteção da impenhorabilidade mesmo antes da partilha formal.
O colegiado entendeu ainda que não há fundamento jurídico para condicionar a proteção à realização de partilha ou à averbação na matrícula do imóvel, pois a moradia efetiva dos herdeiros configura a situação de entidade familiar tutelada pela lei.
Impactos práticos da decisão
Com a decisão, o imóvel residencial utilizado por herdeiros do falecido Hans Baumann não poderá ser objeto de penhora ou arresto para pagamento da dívida trabalhista. A obrigação subsiste, mas a cobrança deverá recair sobre outros bens do espólio, desde que não protegidos pela impenhorabilidade legal.
A tese firmada pelo STJ tem repercussão significativa em casos de sucessão, ao consolidar o entendimento de que a função social da moradia se sobrepõe a exigências formais de partilha, reforçando a proteção patrimonial de famílias em situações de vulnerabilidade jurídica.
Legislação de referência
Lei 8.009/1990
Art. 1º: O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei.
Art. 3º: A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo nas hipóteses previstas neste artigo.
Art. 5º: Para efeito de impenhorabilidade, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.
Código Civil
Art. 1.784: Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.
Processo relacionado: Recurso Especial 2111839/RS