A controvérsia analisada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) envolveu a interpretação do artigo 18, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O ponto central era definir se a indenização por danos materiais causados por vício em produto deve ser limitada ao período superior a 30 dias, prazo previsto na norma para o conserto do bem defeituoso, ou se pode alcançar também o período inicial.
Decisão da Quarta Turma do STJ
A Quarta Turma do STJ decidiu que o consumidor tem direito à reparação integral dos danos materiais causados por vício em produto, ainda que dentro dos 30 dias previstos no CDC para conserto. Segundo o colegiado, o prazo legal não representa excludente de responsabilidade, mas um limite para que o fornecedor repare o defeito antes que o consumidor exerça outras opções legais.
No julgamento do Recurso Especial 1.935.157/MT, os ministros reformaram parcialmente decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que havia limitado a indenização ao período que ultrapassava os 30 dias legais. Para o STJ, uma vez judicialmente reconhecido o vício, o consumidor deve ser ressarcido por todos os prejuízos decorrentes da indisponibilidade do bem, inclusive os ocorridos no período inicial.
Caso concreto analisado
O recurso foi interposto por um consumidor que adquiriu uma camionete Ford Ranger zero quilômetro, com garantia de cinco anos. Com menos de um ano de uso, o veículo apresentou defeito mecânico grave e foi levado à concessionária para reparo. O conserto, no entanto, demorou 54 dias para ser concluído, devido à ausência de peças de reposição.
Durante esse período, o proprietário arcou com despesas de locação de outro veículo e serviços de frete para dar continuidade às suas atividades. O pedido de indenização foi inicialmente acolhido apenas parcialmente, limitando-se aos prejuízos referentes aos dias que excederam o prazo legal de 30 dias para reparo. O STJ, no entanto, entendeu que a limitação imposta violava o princípio da reparação integral previsto no CDC.
Fundamentos jurídicos do julgamento
O relator, Ministro Antonio Carlos Ferreira, destacou que o artigo 6º, VI, do CDC consagra o princípio da reparação integral, que assegura ao consumidor o direito de ser plenamente indenizado por danos patrimoniais e morais. Assim, não cabe transferir ao consumidor os riscos da atividade empresarial, mesmo quando o defeito ocorre dentro do prazo de reparo.
O entendimento reforça que o fornecedor deve responder por todos os prejuízos comprovadamente sofridos pelo consumidor durante o período de conserto do produto defeituoso, independentemente de prazo. A Corte também manteve a indenização por danos morais fixada em R$ 10 mil, por considerar o valor proporcional às circunstâncias do caso concreto, o que afasta a possibilidade de revisão em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
Impactos práticos da decisão
A tese firmada uniformiza a interpretação do CDC, reforçando a proteção do consumidor. Fabricantes e concessionárias não podem alegar o prazo de 30 dias como limite de responsabilidade civil quando o vício for reconhecido judicialmente. A decisão é especialmente relevante para casos envolvendo produtos duráveis e reforça o dever de cautela do fornecedor na prestação de serviços durante o período de garantia.
Legislação de referência
Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990)
Art. 6º, VI – São direitos básicos do consumidor: a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
Art. 18, § 1º – Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: a substituição do produto por outro da mesma espécie, a restituição imediata da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço.
Processo relacionado: Recurso Especial 1935157/MT