A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é ilícito o ingresso policial em domicílios sem mandado judicial quando não houver fundadas razões de flagrante delito previamente identificadas. A decisão foi proferida no julgamento do Recurso Especial 2.090.901/SP, de relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, e resultou na absolvição de um réu acusado de tráfico de drogas.
O colegiado considerou inválida a chamada “varredura coletiva” promovida por policiais em residências próximas ao local de uma abordagem, por ausência de elementos objetivos que indicassem situação de flagrante no interior de imóvel determinado. A conduta foi qualificada como “fishing expedition”, prática vedada pelo ordenamento jurídico.
Contexto e histórico da decisão
O caso envolveu a condenação de um homem que, ao ser abordado por policiais em uma comunidade, portava quantia em dinheiro e, supostamente, declarou informalmente que os valores eram oriundos do tráfico de drogas. Após a revista pessoal, os agentes realizaram buscas em diversos barracos da região, sem mandado judicial, até encontrarem entorpecentes em um dos imóveis.
A Corte estadual havia validado a ação policial, considerando a permanência do crime de tráfico como justificativa para o flagrante. Contudo, o STJ reformou o entendimento, ao considerar que o simples porte de dinheiro não autoriza buscas domiciliares indiscriminadas.
Fundamentos jurídicos do julgamento
A decisão reafirma a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no Tema 280 da repercussão geral, segundo a qual o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial só é lícito quando amparado em fundadas razões justificadas a posteriori, que indiquem ocorrência de crime no interior da residência.
O relator destacou que nem mesmo a autoridade judicial pode autorizar diligência coletiva, conforme o art. 243, I, do Código de Processo Penal. A exigência de individualização do local a ser vasculhado impede, com mais razão, que a polícia promova buscas genéricas por iniciativa própria. Como a diligência violou essa norma, o STJ aplicou a teoria dos frutos da árvore envenenada, declarando a ilicitude das provas e absolvendo o acusado por ausência de materialidade do crime.
Impactos práticos da decisão
A tese fixada pelo STJ reforça a proteção da intimidade e da inviolabilidade do domicílio como direito fundamental previsto na Constituição Federal. A decisão também delimita a atuação policial em abordagens de rotina, vedando a prática de buscas não autorizadas em comunidades ou regiões de vulnerabilidade sem base probatória concreta.
O julgamento consolida o entendimento de que não basta a suspeita genérica ou a alegação de tráfico em área conhecida para justificar ingresso em imóveis particulares, sendo necessária a demonstração de elementos objetivos que vinculem um domicílio específico à prática do crime.
Legislação de referência
Constituição Federal
Art. 5º, XI – A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
Código de Processo Penal
Art. 243, I – O mandado de busca deverá indicar, sempre que possível, o nome da pessoa que será objeto da diligência e, no caso de busca domiciliar, o endereço preciso e o nome do morador.
Código de Processo Penal
Art. 386, II – O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que não haja prova da existência do fato.
Código de Processo Penal
Art. 157 – São inadmissíveis as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
Processo relacionado: Recurso Especial 2.090.901/SP