A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que a multa cominatória, também conhecida como astreinte, possui fato gerador autônomo em relação à obrigação principal e, quando fixada após o pedido de recuperação judicial, configura crédito extraconcursal. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Especial 2169203/MG, relatado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que também autorizou o prosseguimento do cumprimento provisório da sentença, mesmo com apelação pendente, desde que não tenha efeito suspensivo.
Questão jurídica envolvida
A controvérsia tratava da possibilidade de submeter o crédito decorrente de multa cominatória aos efeitos da recuperação judicial, tendo em vista o momento do fato gerador da sanção. O colegiado analisou se o crédito teria natureza concursal ou extraconcursal e se o cumprimento provisório da sentença poderia prosseguir.
Contexto da decisão
O caso teve origem em ação movida por um condomínio residencial contra as empresas responsáveis pela construção do empreendimento, em razão de vícios construtivos identificados pela Defesa Civil. O juízo determinou, em 2022, a realização de reparos sob pena de multa diária de R$ 1.000, limitada a R$ 100.000. Como a decisão foi descumprida, o condomínio iniciou o cumprimento provisório da sentença, com bloqueio de valores via SISBAJUD.
As empresas recorrentes alegaram que o crédito decorrente da multa teria como fato gerador os vícios construtivos, ocorridos antes do pedido de recuperação judicial, devendo ser, por isso, submetido ao juízo recuperacional.
Fundamentos jurídicos do julgamento
A Turma do STJ destacou que as astreintes têm natureza processual e função coercitiva, sendo distintas da obrigação principal. Por isso, o fato gerador da multa é o descumprimento da ordem judicial, não o inadimplemento contratual que deu origem à demanda.
Com base no Tema Repetitivo 1051/STJ, o Tribunal reafirmou que o critério para definição da natureza do crédito é a data do fato gerador. Como o descumprimento da ordem judicial se deu após o pedido de recuperação e até mesmo após o encerramento do processo recuperacional, o crédito decorrente da multa é extraconcursal.
Impactos práticos da decisão
A decisão reforça a autonomia das multas coercitivas e consolida a jurisprudência no sentido de que elas não se submetem à recuperação judicial quando descumpridas após o pedido. Além disso, a Terceira Turma confirmou a possibilidade de cumprimento provisório da sentença, com base no artigo 537, § 3º, do CPC, desde que o recurso interposto não tenha efeito suspensivo. O levantamento dos valores, entretanto, continua condicionado ao trânsito em julgado da decisão que fixou a multa.
Legislação de referência
Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015)
Art. 537, § 1º: A multa será devida independentemente de requerimento da parte, bastando para sua exigibilidade o descumprimento da decisão.
Art. 537, § 3º: A multa poderá ser modificada ou excluída se a decisão for revogada ou modificada.
Art. 1.012, § 1º, V: O recurso de apelação não terá efeito suspensivo quando interposto contra sentença que confirma a antecipação dos efeitos da tutela.
Art. 515, I: São títulos executivos judiciais, ainda que sujeitos a recurso, as sentenças proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de fazer.
Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falência)
Art. 6º, § 3º: Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
Art. 49, caput: Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
Processo relacionado: Recurso Especial 2169203