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“A unificação do Direito Civil e Empresarial foi um erro e nos custou uma década”, diz Fábio Ulhoa Coelho

Para Fábio Ulhoa Coelho, a realidade do Direito Empresarial exige critérios próprios que não se aplicam ao Direito Civil

Se o cinema tivesse vencido a disputa, talvez Fábio Ulhoa Coelho hoje escrevesse roteiros, não livros jurídicos. Coelho, referência incontornável na área de Direito Empresarial, pensou em trabalhar com cinema quando jovem, mas a falta de apoio familiar o levou ao Direito – um destino que, como ele próprio diz, o escolheu.

O gosto pelo estudo e a inquietação intelectual marcaram sua trajetória. Ainda na graduação, foi convidado para ser assistente no Direito Comercial e também na Filosofia do Direito. Aceitou os dois desafios, fez mestrado na primeira área e doutorado na segunda.

“Tive professores e mentores que foram decisivos na minha formação. Na área de Direito Comercial, meu grande modelo foi Cláudio Ferraz de Alvarenga, que me convidou para ser seu assistente. Já na Filosofia do Direito, meu orientador no doutorado, Tércio Sampaio Ferraz, foi uma referência fundamental”, comenta.

Coelho afirma que ainda mantém a mesma curiosidade que o marcou desde a faculdade. “Sempre gostei de estudar tudo: química, filosofia, português, história. E esse gosto se manteve na faculdade”, lembra.

O que começou com as monitorias na universidade logo se transformou em uma carreira sólida como professor e autor de diversas obras que contribuíram com o Direito Empresarial no Brasil.

Nos últimos anos, Coelho viu seu campo de estudo se tornar uma das áreas mais procuradas da pós-graduação. “Houve uma evolução muito grande, mas tivemos um grande problema em 2002, com o Código Civil. A unificação das matérias civil e empresarial foi um erro que atrasou nossa área por pelo menos uma década”, afirma

Para ele, a realidade do Direito Empresarial exige critérios próprios, como a liberdade contratual e a alocação de riscos, que não se aplicam ao Direito Civil. “Não dá para comparar um contrato de fornecimento de aço entre uma siderúrgica e uma montadora com um contrato de locação de um apartamento de dois dormitórios.”

Ele vê a Lei da Liberdade Econômica como um passo na direção certa, ao diferenciar contratos civis e empresariais, mas acredita que ainda há muito a ser feito para consolidar essa separação.

Leia Mais: “Discussão sobre Ficha Limpa não pode ser guiada por interesses políticos”, diz José Eduardo Cardozo

O papel do judiciário no ambiente político das empresas

Segundo Coelho, o ambiente jurídico das empresas no Brasil ainda enfrenta desafios significativos. Para ele, a jurisprudência tem sido excessivamente criativa. “Precisamos de uma jurisprudência menos criativa, que respeite os contratos e não interfira tanto na relação entre as partes.”

O mesmo vale para a recuperação judicial, que, segundo ele, tem sido aplicada de forma excessivamente favorável aos devedores, comprometendo a economia. “Se o Judiciário concede tudo o que uma empresa em recuperação pede, quem é que não vai querer entrar em recuperação?”, questiona.

Soluções do Brasil estão em casa, diz Fábio Ulhoa Coelho

Coelho tem uma visão pragmática sobre influências estrangeiras. Para ele, o Brasil precisa encontrar soluções próprias para seus desafios, em vez de importar modelos prontos. “Essa ideia de olhar para a Europa ou os Estados Unidos como se eles soubessem tudo e nós não soubéssemos nada é um resquício colonialista”, critica.

O puquiano defende uma abordagem antropofágica, no sentido de absorver referências externas sem perder a identidade nacional, inspirado pelo movimento de Oswald de Andrade.

Neste contexto, os novos ecossistemas econômicos são os temas que mais o interessam atualmente, sendo que o Brasil ainda tem muito a evoluir nessa ‘nova economia’.

Em um de seus livros em andamento sobre descarbonização, discute a necessidade de o Brasil parar de derrubar florestas para expandir a produção agropecuária. “O agronegócio já está se transformando no mundo todo, com fazendas verticais e hidropônicas. O Brasil precisa recuar a fronteira agrícola para que biomas como o Cerrado e a Amazônia possam se recuperar.”

Entre os desafios contemporâneos, ele também critica a romantização do empreendedorismo, especialmente em modelos como o dos aplicativos de transporte. “O Uberista se vê como patrão, mas na verdade é um trabalhador precarizado. O empresário, por definição, cria oportunidades para outras pessoas – e isso não acontece nesse modelo.”

Paixões além do Direito

Mesmo entranhado no mundo jurídico e econômico, Coelho encontra tempo para se dedicar a outras paixões. Atualmente, estuda química e física atômica. Na música, prefere as valsas brasileiras de Ernesto Nazareth e Francisco Mignone. Na literatura, relê “Memórias Póstumas de Brás Cubas” a cada dois ou três anos.

No cinema, sua escolha recai sobre “La La Land”, cuja trilha sonora faz parte de sua rotina até durante os exercícios físicos. Nos tempos vagos, também aproveita para tocar piano.

Se há um sonho não realizado, ele admite que poderia ter feito uma pós-graduação no exterior, mas não teve essa oportunidade. Hoje também nem vê mais necessidade.

Atualmente, como de praxis na profissão, Coelho escreve diariamente, como se fosse parte essencial de sua existência. Afinal, para ele, “escrever é tão importante quanto respirar”.

Sobre o autor:

Vinícius Alves

Jornalista formado na Faculdade Cásper Líbero. Com passagens pela Agência Estado e Editora Globo.

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