Como é sabido, no ano de eleições há uma série de restrições com o objetivo de garantir da isonomia do pleito. Como exemplo, podemos citar o art. 73 da Lei nº 9.504/1997, a Lei das Eleições.
É necessário chamar a atenção dos gestores para o fato de que as vedações existentes não se limitam às que garantem a isonomia das eleições. O legislador também se preocupa com a organização orçamentária e financeira do ente público.
Nesse sentido, a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101/2000, estabelece a restrições ao final do mandato para aumento da despesa com pessoal e operação de crédito por antecipação de receita.
Quanto ao aumento de despesa com pessoal, o art. 21 da Lei de Responsabilidade Fiscal prevê o seguinte:
Art. 21. É nulo de pleno direito:
[…]
II – o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20;
III – o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20;
IV – a aprovação, a edição ou a sanção, por Chefe do Poder Executivo, por Presidente e demais membros da Mesa ou órgão decisório equivalente do Poder Legislativo, por Presidente de Tribunal do Poder Judiciário e pelo Chefe do Ministério Público, da União e dos Estados, de norma legal contendo plano de alteração, reajuste e reestruturação de carreiras do setor público, ou a edição de ato, por esses agentes, para nomeação de aprovados em concurso público, quando:
a) resultar em aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo; ou
b) resultar em aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo.
§ 1º As restrições de que tratam os incisos II, III e IV:
I – devem ser aplicadas inclusive durante o período de recondução ou reeleição para o cargo de titular do Poder ou órgão autônomo; e
II – aplicam-se somente aos titulares ocupantes de cargo eletivo dos Poderes referidos no art. 20.
§ 2º Para fins do disposto neste artigo, serão considerados atos de nomeação ou de provimento de cargo público aqueles referidos no § 1º do art. 169 da Constituição Federal ou aqueles que, de qualquer modo, acarretem a criação ou o aumento de despesa obrigatória.
Assim, constata-se que a norma determina ser nulo qualquer ato que resulte em aumento de despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato, incluindo a aprovação de norma que contemple plano de alteração, reajuste ou reestruturação de carreiras, bem como a nomeação de candidatos aprovados em concurso público.
Além da restrição relacionada às despesas com pessoal, a Lei de Responsabilidade Fiscal, na alínea b do inciso IV do art. 38, proíbe a realização de operações de crédito por antecipação de receita no último ano do mandato, nos seguintes termos:
Art. 38. A operação de crédito por antecipação de receita destina-se a atender insuficiência de caixa durante o exercício financeiro e cumprirá as exigências mencionadas no art. 32 e mais as seguintes:
[…]
IV – estará proibida:
[…]
b) no último ano de mandato do Presidente, Governador ou Prefeito Municipal.
Dessa forma, conclui-se que é proibida a realização de operação de crédito por antecipação de receita destinadas a atender insuficiência de caixa no último ano do mandato.
Por fim, cumpre alertar aos gestores que o descumprimento das regras que vedam a assunção de obrigações e o aumento de despesas com pessoal no último ano do mandato caracteriza crime, conforme previsto nos artigos 359-C e 359-G do Código Penal, conforme transcrito a seguir:
Assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura
Art. 359-C. Ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Aumento de despesa total com pessoal no último ano do mandato ou legislatura
Art. 359-G. Ordenar, autorizar ou executar ato que acarrete aumento de despesa total com pessoal, nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato ou da legislatura:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
A respeito do crime de assunção de obrigação no último ano do mandato ou da legislatura, a pena prevista é de reclusão de um a quatro anos para quem ordenar ou autorizar a assunção de obrigação nos últimos quadrimestres do mandato ou legislatura, quando a despesa não puder ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a pagar no exercício seguinte, não houver contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa.
Quanto ao crime de aumento de despesa com pessoal, a pena também é de reclusão de um a quatro anos para quem ordenar, autorizar ou executar ato que acarrete aumento de despesa com pessoal.
Verifica-se que ambos são crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado, pois contemplam diversas modalidades de conduta, quais sejam: ordenar, autorizar ou executar. Ou seja, qualquer uma dessas condutas caracteriza o tipo penal.
Sobre o tipo penal de aumento de despesa com pessoal, o Doutor Cezar Roberto Bitencourt afirma o seguinte: “Assim, está vedada a velha prática de alguns demagogos administradores que concediam aumentos e vantagens a servidores para vigorar, no futuro, a partir de determinada data, particularmente em mandatos ou legislaturas futuras.”[1]
A razão de ser das vedações ao aumento de despesa com pessoal e às operações de crédito por antecipação de receita é garantir a saúde econômica e financeira do ente público, proibindo que gestores em final de mandato, já cientes do resultado das eleições, adotem medidas eleitoreiras que inviabilizem a próxima gestão.
Vale destacar que a norma penal não fez ressalvas em relação à reeleição, ou seja, nos casos em que, apesar do término do mandato, o titular do cargo continuará no exercício do próximo mandato. Nesses casos, a justificativa da norma de evitar a inviabilização da gestão futura de outros gestores perde parte de sua razão de ser. Dessa forma, conclui-se que é proibido o aumento de despesas com pessoal no último ano do mandato e a realização de operações de crédito por antecipação de receita, sendo que tais condutas caracterizam crime, independentemente de se tratar da continuidade do gestor (reeleição) ou não.
Referências
[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. V. 5: Parte Especial: Dos crimes contra a administração pública e dos crimes praticados por prefeitos (Lei n. 10.028/2000). São Paulo: Saraiva, 2007. p. 440.
Sobre o autor:
Assessor Especial da Presidência do Tribunal de Contas do Estado do Tocantins – TCE/TO, Advogado, mais de dez anos de experiência no serviço público, tendo trabalhado no Ministério dos Transportes, no TJDFT, na Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República, na Subchefia de Assuntos da Casa Civil da Presidência da República, na Prefeitura Municipal de Araguaína/TO como Presidente da Agência Municipal de Segurança Transporte e Trânsito e Subprocurador-Geral do Município, como Procurador-Chefe da Câmara Municipal de Araguaína, membro examinador de banca de pós-graduação lato sensu, Especialista em Prática Processual nos Tribunais pelo UniCEUB, Coordenador da Coleção Teses Defensivas e autor do livro “Teses Defensivas Improbidade Administrativa” da Editora Juspodivm. E-mail: diogoesteves.adv@gmail.com