A recente decisão da juíza Mary Scriven, do Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito Médio da Flórida, no caso Trump Media & Technology Group Corp. e Rumble Inc. vs. Alexandre de Moraes, gerou interpretações conflitantes sobre seu impacto. Enquanto algumas fontes enfatizam que a decisão enfraqueceu as tentativas de censura contra a Rumble, outras apontam que a empresa não obteve o que desejava no processo. Para compreender as implicações da decisão, é necessário analisar com precisão o que foi determinado.
O que Rumble e Trump Media pediram?
As empresas Trump Media & Technology Group Corp. e Rumble Inc. entraram com um pedido de medida cautelar (Temporary Restraining Order – TRO) buscando suspender os efeitos de ordens emitidas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal do Brasil. O objetivo era impedir que tais ordens fossem aplicadas nos Estados Unidos.
O argumento central dos requerentes era que as decisões de Moraes representariam uma censura indevida, incompatível com os princípios norte-americanos de liberdade de expressão.
Na ação movida nos Estados Unidos contra o ministro Alexandre de Moraes, as empresas Rumble Inc. e Trump Media & Technology Group Corp. (TMTG) formularam os seguintes pedidos principais:
- Declaração de Inexequibilidade das Ordens de Moraes nos EUA
- As empresas solicitaram que a Corte declare que as ordens judiciais de Moraes, incluindo a suspensão de contas de usuários e a imposição de multas diárias, não são aplicáveis nos Estados Unidos.
- Alegam que essas ordens violam o Primeiro Emenda da Constituição dos EUA, que protege a liberdade de expressão.
- Proibição de cumprimento das ordens nos EUA
- Pediram uma medida cautelar (injunctive relief) para impedir que qualquer pessoa ou entidade tente aplicar as ordens brasileiras nos EUA.
- Isso inclui proibir terceiros, como Apple e Google, de remover aplicativos da Rumble ou impor restrições baseadas nas determinações brasileiras.
- Invalidação das ordens com base no Communications Decency Act (CDA)
- Argumentaram que a Seção 230 do Communications Decency Act protege provedores de serviços online de serem responsabilizados por conteúdos de terceiros.
- Alegaram que as ordens de Moraes, ao exigirem que a Rumble remova conteúdo e bloqueie contas, violam essa legislação federal dos EUA.
- Impedimento de coerção judicial no Brasil
- Contestaram a exigência imposta a Rumble de nomear um representante legal no Brasil, afirmando que isso seria uma tentativa de forçar jurisdição sobre uma empresa americana sem seguir tratados internacionais.
- Alegação de violação da soberania e das normas internacionais
- Argumentaram que Moraes não seguiu os procedimentos legais corretos para impor suas ordens em solo americano, como os mecanismos da Convenção da Haia, do Tratado de Assistência Jurídica Mútua (MLAT) e do procedimento de cartas rogatórias.
- Afirmaram que isso constitui um excesso de jurisdição e um abuso de poder, tornando suas ordens ilegais nos EUA.
- Reconhecimento da decisão como contrária à política pública dos EUA
- Pediram que a Corte reconheça que as ordens de Moraes são contrárias à política pública americana de defesa da liberdade de expressão e, portanto, não podem ser executadas nos EUA.
- Para reforçar esse argumento, citaram declarações de autoridades americanas e normas que se opõem à censura estrangeira.
- Julgamento favorável e custas processuais
- Solicitaram uma decisão favorável em todos os pedidos e que Moraes fosse condenado a arcar com as custas e honorários do processo.
Em resumo, o objetivo da ação foi obter uma decisão que impeça qualquer tentativa de aplicação das ordens de Moraes nos Estados Unidos, com base em violações constitucionais, legislativas e internacionais.
Quais pedidos da Rumble e da Trump Media foram aceitos pela juíza Mary Scriven?
A decisão da juíza Mary Scriven, do Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito Médio da Flórida, negou o pedido de medida cautelar (Temporary Restraining Order – TRO) feito pela Rumble e pela Trump Media. No entanto, alguns pontos da decisão podem ser interpretados como favoráveis às empresas, ainda que não tenha sido concedida a liminar desejada.
Pedidos negados
- Pedido de medida cautelar (TRO) para impedir a aplicação imediata das ordens de Moraes nos EUA
- A juíza negou o pedido de liminar, afirmando que o caso não está maduro para decisão judicial (ripeness), pois nenhuma ação concreta foi tomada para fazer valer as ordens de Moraes nos EUA.
- Ou seja, não há uma tentativa ativa de enforcement nos Estados Unidos, seja pelo governo brasileiro, pelo governo americano ou por qualquer outra entidade. Sem essa tentativa, não há urgência que justifique a concessão da liminar.
- Pedido para reconhecer as ordens de Moraes como ilegais e inexequíveis nos EUA
- A decisão não declarou expressamente as ordens de Moraes como inexequíveis em caráter definitivo.
- A juíza deixou em aberto a possibilidade de reavaliar o caso caso haja uma tentativa concreta de execução das ordens brasileiras nos EUA.
- Pedido para impedir Apple e Google de removerem a Rumble de suas lojas de aplicativos
- Como não houve nenhuma tentativa comprovada de enforcement nos EUA, a juíza não viu necessidade de conceder essa proteção preventiva.
Pedidos que tiveram acolhimento indireto
- Reconhecimento de que as ordens brasileiras não foram devidamente notificadas
- A juíza afirmou que as ordens de Moraes não foram notificadas corretamente às empresas conforme exigido pelo Tratado de Assistência Jurídica Mútua (MLAT) entre Brasil e EUA e pela Convenção da Haia.
- Isso significa que as empresas não são obrigadas a cumpri-las até que sejam devidamente notificadas.
- Reconhecimento de que as ordens não têm efeito automático nos EUA
- A decisão estabeleceu que, até que uma tentativa de execução seja feita conforme os tratados internacionais, não há obrigação de cumprimento por parte da Rumble ou da Trump Media.
- Esse ponto pode ser visto como uma vitória parcial para as empresas, pois protege seus interesses até que o governo brasileiro tente executar as ordens nos EUA.
- Possibilidade de futura revisão da decisão
- A juíza deixou aberta a possibilidade de reavaliar o caso caso surja uma tentativa concreta de enforcement das ordens brasileiras nos EUA.
- Isso significa que, caso o Brasil tente fazer valer as decisões de Moraes contra a Rumble ou a Trump Media nos EUA, as empresas podem renovar o pedido para impedir sua aplicação.
Conclusão: a decisão favorece alguém?
A decisão da juíza não concedeu a liminar que a Rumble e a Trump Media buscavam, mas também não deu qualquer aval para a execução das ordens de Moraes nos EUA. Em resumo:
- Para Rumble e Trump Media:
- A decisão é parcialmente favorável porque reconhece que não há qualquer obrigação legal atual de cumprir as ordens de Moraes nos EUA.
- Porém, elas não conseguiram um bloqueio preventivo definitivo contra futuras tentativas de execução das ordens brasileiras.
- Para Alexandre de Moraes:
- A decisão não declarou suas ordens inválidas, mas também não lhes conferiu qualquer efeito nos EUA.
- O Brasil teria que seguir os procedimentos formais internacionais para buscar a aplicação dessas ordens, o que não foi feito até o momento.
Portanto, o caso ainda não está encerrado, e um novo pedido pode ser feito no futuro caso haja qualquer tentativa de execução das ordens brasileiras nos Estados Unidos.
Caso o governo brasileiro tente executar as determinações do ministro Moraes nos Estados Unidos, o tribunal norte-americano poderá analisar novamente a questão e decidir se as ordens são compatíveis com as leis americanas. Até lá, o impasse permanece.
Sobre o autor:
Pós-doutorando em Direito na Universidade de São Paulo - USP, Doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo - USP, Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB, Especialista em Economia Nacional pela The George Washington University - GWU e Graduado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Procurador Federal na Advocacia-Geral da União.
Excelente análise, Diego! Forte abraço!