O recente caso envolvendo o cantor Beto Barbosa, que recebeu críticas por ter se casado com uma adolescente de 15 anos, reacendeu o debate sobre os limites legais e éticos de relações afetivas envolvendo menores de idade no Brasil. A controvérsia destaca a necessidade de compreender as normas do ordenamento jurídico, especialmente no que diz respeito à proteção de crianças e adolescentes e à presunção de incapacidade para atos de natureza sexual antes dos 14 anos.
Neste artigo, abordaremos os aspectos legais dessas relações, esclarecendo o que a legislação brasileira permite e proíbe, bem como as possíveis consequências jurídicas.
Questão jurídica envolvida
O ordenamento jurídico brasileiro não proíbe, de forma genérica, o namoro entre maiores e menores de idade. Contudo, o Código Penal, no artigo 217-A, estabelece o crime de estupro de vulnerável, definido como “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos”. Esse dispositivo é central para delimitar os limites legais em relações que envolvem menores.
A proteção jurídica da dignidade sexual de pessoas menores de idade está relacionada à presunção absoluta de incapacidade para consentir em relações de cunho sexual, caso tenham menos de 14 anos. Assim, qualquer ato de natureza sexual com menor de 14 anos é considerado crime, independentemente de consentimento, da vontade da pessoa ou de um eventual relacionamento afetivo.
E se a pessoa menor tiver mais de 14 anos?
A legislação brasileira considera que, a partir dos 14 anos, o menor de idade já tem capacidade para consentir em relações sexuais, desde que não haja coação ou abuso de vulnerabilidade. No entanto, isso não elimina todos os cuidados jurídicos. É importante observar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que visa proteger integralmente os direitos de crianças e adolescentes.
O artigo 244-B do ECA também criminaliza a submissão de menores de 18 anos à prostituição ou à exploração sexual, reforçando a proteção dessa faixa etária. Além disso, mesmo em situações de consentimento mútuo, deve-se levar em conta questões éticas e sociais, especialmente quando há uma diferença significativa de idade entre os envolvidos.
Relação entre menores de idade: o que a lei diz?
Quando menores de idade se envolvem em atos libidinosos, a análise jurídica considera principalmente a idade dos envolvidos e o contexto da relação. Menores de 18 anos são inimputáveis, conforme previsto no artigo 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e não podem ser penalmente responsabilizados. No entanto, adolescentes entre 12 e 18 anos podem ser submetidos a medidas socioeducativas, conforme estabelece o artigo 112 do ECA, como advertência, reparação de danos ou, em casos graves, internação, especialmente se houver violência ou abuso de vulnerabilidade (artigo 122).
A lei presume que menores de 14 anos não possuem capacidade para consentir em atos de natureza sexual, mas quando o caso envolve dois adolescentes próximos em idade e uma relação consensual, o sistema de justiça tende a adotar uma abordagem pedagógica em vez de punitiva, priorizando medidas educativas previstas no artigo 101 do ECA. Por outro lado, em situações de coação, violência ou exploração, a atuação judicial pode ser mais rigorosa, visando a proteção da parte vulnerável, de acordo com o princípio da proteção integral (artigo 1º).
Além de analisar o ato em si, o ECA reforça, no artigo 4º, a responsabilidade dos pais ou responsáveis em garantir a proteção integral dos menores. Caso seja identificada negligência ou falta de supervisão, os responsáveis podem ser acionados para responder por omissão. Assim, a legislação busca não apenas resolver a situação pontual, mas também assegurar um ambiente seguro e propício ao desenvolvimento dos adolescentes.
Diferença entre namoro e convivência marital
Outro aspecto relevante é a convivência marital. O Código Civil, no artigo 1.517, estabelece a idade mínima de 16 anos para o casamento, exigindo autorização dos pais ou responsáveis. Para menores de 16 anos, o casamento não é permitido em hipótese alguma, nem em casos excepcionais, como gravidez, conforme redação dada ao artigo 1.520 do Código Civil pela Lei 13.811/2019. Assim, um namoro que envolva convivência marital com menores de 16 anos pode enfrentar objeções legais.
Quando os pais ou responsáveis são contra o casamento, pode surgir a tentativa de “fuga” ou convivência às escondidas entre o menor e o parceiro. Esse tipo de situação pode ser interpretado juridicamente como subtração de incapaz, conforme o artigo 249 do Código Penal, que criminaliza a retirada de menor de 18 anos do poder familiar ou da guarda de seus responsáveis sem a devida autorização. Essa conduta pode acarretar sanções penais para o maior de idade envolvido, além de complicar ainda mais a situação, caso o menor seja levado para conviver maritalmente.
Conclusão
Namorar uma pessoa menor de idade não é, por si só, ilegal, mas envolve limites claros estabelecidos pela lei. Relações que extrapolem os aspectos afetivos e entrem no campo da sexualidade podem trazer graves consequências jurídicas, especialmente se envolverem menores de 14 anos. Portanto, é fundamental compreender a legislação aplicável e agir com responsabilidade e respeito, garantindo a proteção integral dos direitos da pessoa menor de idade.
Sobre o autor:
Pós-doutorando em Direito na Universidade de São Paulo - USP, Doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo - USP, Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB, Especialista em Economia Nacional pela The George Washington University - GWU e Graduado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Procurador Federal na Advocacia-Geral da União.