Recentes notícias veiculadas em meios de comunicação dão conta da ocorrência de grave fraude quanto na aquisição do medicamento para tratamento de diabetes (e outras) que também são utilizados para emagrecimento, denominado “emagrecedores estéticos”[1].
Em síntese, o modus operandi da fraude que vem sendo perpetrada consiste na troca das canetas emagrecedoras por outras, falsificadas. O destinatário/cliente, sem desconfiar acaba tendo complicações de saúde após aplicar o medicamento trocado.
A respeito de casos concretos, matérias jornalísticas reproduzem a gravidade do ocorrido. “Uma médica conta que os sintomas tinham começado após a aplicação subcutânea da medicação Ozempic, que é o nome comercial da semaglutida. (…) substância que não leva a uma glicose muito baixa. E aí uma das nossas médicas, logo pensou em ser um Ozempic adulterado, falsificado”. No entanto, verificou-se que no lugar da semaglutida, a caneta continha insulina. “A insulina tira a glicose do sangue. Na hora que ela injeta insulina, sendo uma paciente que não tinha diabetes, a glicose despencou, caiu demais, porque ela não precisava daquilo ali.”
Notória a relevância e a nocividade sob vários aspectos da troca de medicamento que vem sendo noticiada amiúde.
Contudo, concentramos aqui uma breve —mas necessária— analise sob o viés criminal. Já se ouve comentários quanto a necessidade da elaboração e edição de leis que coíbam e reprimam severamente condutas como a do “golpe da ozempic falsa”. A nosso ver, não há necessidade de edição ou criação legislativa para essa finalidade. O ordenamento penal já prevê tipos penais plenamente aplicáveis em tais casos. A bem da verdade, há vigoroso rol de crimes que se amoldam a conduta em questão.
Não se pode perder de vista que o objetivo do agente (o golpista) é a obtenção de vantagem financeira, que por meio de ardil/ na troca da caneta de semaglutida por caneta de insulina ocasiona prejuízo a terceiro (vítima) projetando-se aqui, portanto, o crime de estelionato previsto no art. 171, do Código Penal, com pena de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos e multa, sem contar eventuais qualificadoras e causas de aumento de pena.
No mesmo sentido, agrega-se a hipótese da pluralidade de agentes —com divisão de tarefas e alguma estruturação— no cometimento de crime o que ensejaria também a configuração de associação criminosa, prevista no art. 288, do Código Penal Brasileiro, com pena de reclusão de 5 (cinco) a 10 (dez) anos e multa.
Ainda e a depender da particularidade de caso concreto ter-se-ia, também a hipótese de crime previsto no art. 273, do Código Penal quando verificada a falsificação, adulteração ou alteração ou alteração da própria caneta de semaglutida, com previsão de elevada pena, qual seja, reclusão de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. É de se concluir, portanto, que os tipos penais podem até variar conforme peculiaridades das condutas que forem verificadas em persecuções penais. O que não varia e não repousa dúvida é o alcance da legislação penal —que já está posta— como forma eficaz de repressão estatal a tais condutas.
[1] Quanto a tema, indispensável leitura do escrito pela advogada e pesquisadora Dacylene Amorim, in https://www.catedras.com.br/index.php/2024/10/17/emagrecedores-esteticos-como-uma-epidemia-medicamentosa/, acesso em 05/11/2024.
Sobre o autor:
Advogado Criminalista. Mestre em Direito Processual Penal.
Professor Universitário e em Cursos Preparatórios para Carreiras Jurídicas. Autor de livros em Direito Penal e Direito Processual Penal como "Processo Penal e Direito Penal - Temas Atuais", ed. Quartier Latin, 2023.