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Transplante de órgãos e contaminação por HIV: responsabilidades jurídicas e desafios bioéticos no sistema de saúde

Esse caso poderá servir como um ponto de reflexão e de revisão de protocolos

No mês de outubro de 2024, foi noticiado nas mídias o caso de seis pacientes infectados por HIV após transplante de órgãos realizado no Estado do Rio de Janeiro pelo Sistema Público de Saúde. No entanto, cabe ressaltar que o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.434/97 – Lei dos Transplantes e Doações de Órgãos – exige que seja feita uma bateria de exames para diagnóstico de infecção e infestação no doador.

Cabe também salientar que a doação post mortem só ocorre quando configurada a morte encefálica da pessoa. Contudo, a doação inter vivos só pode ser feita quando se trata de órgãos duplos ou de tecido regenerável, como o sangue, conforme art. 9º, § 3º, da Lei nº 9.434/97.

Diante desse fato, o Estado do Rio de Janeiro contratou, mediante licitação por pregão eletrônico no valor de 11 milhões de reais em dezembro de 2023, o Laboratório PCS Lab Saleme para realizar a sorologia dos órgãos doados.

O primeiro caso foi descoberto no dia 10 de outubro, quando um receptor se dirigiu ao hospital com sintomas neurológicos e teve o resultado do exame de HIV positivo, sendo que o paciente não possuía o vírus antes. Em seguida, mais cinco pacientes testaram positivo.

A Ministra da Saúde se pronunciou, afirmando que a pasta tinha conhecimento do caso desde 14 de setembro, pois o doador, ao ser retestado, teve o resultado positivo para HIV. Ela alegou que não havia razão para acionar a polícia antes da denúncia e que apenas com a suspeição de ação criminosa a Polícia Federal foi acionada, dado que novos casos surgiram e indícios começaram a ser levantados.

Atualmente, o Laboratório está sendo investigado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, que instaurou inquérito civil, mantido sob sigilo, para averiguar irregularidades nos casos citados. O Órgão Ministerial solicitou à Secretaria de Estado de Saúde, no prazo de 15 dias, o laudo de inspeção da Vigilância Estadual de Saúde sobre o Laboratório e abriu sindicância. Conjuntamente, determinou que a ANVISA envie o laudo de vistoria no mesmo prazo. Quanto aos receptores, o Ministério Público se prontificou a assessorar e ouvir as vítimas e seus parentes.

Após o início das investigações, no início do mês de novembro, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro determinou a suspensão de qualquer pagamento ao Laboratório PCS Lab Saleme pelo contrato com a Fundação de Saúde, uma vez que o contrato foi suspenso em 12 de setembro. Os testes passaram a ser realizados pelo HEMORIO, que inclusive fez a retestagem de 286 amostras, submetendo-as a até cinco análises para confirmação do resultado, e nenhuma amostra apresentou contaminação.

Em um momento seguinte, em caráter emergencial, foi contratado o Laboratório Blessing, ao valor de R$ 11,325 milhões, para realizar os testes de sorologia. Enquanto isso, o HEMORIO continuará a realizar os exames dos doadores.

Sob a ótica da bioética, o caso suscita importantes reflexões sobre os princípios de segurança, transparência e responsabilidade no processo de doação e transplante de órgãos. A bioética enfatiza a necessidade de proteger a dignidade e o bem-estar dos pacientes, o que impõe às instituições de saúde e aos laboratórios contratados o dever de realizar testes diagnósticos rigorosos e confiáveis para evitar riscos de contaminação.

A ausência de uma avaliação cuidadosa sobre a sorologia dos doadores, seguida da omissão na comunicação tempestiva dos resultados, representa uma possível violação dos princípios bioéticos de beneficência e não maleficência, que obrigam as partes envolvidas a minimizar danos e promover a saúde e segurança dos receptores. Esse caso poderá servir como um ponto de reflexão e de revisão de protocolos para que, no futuro, práticas preventivas mais rigorosas sejam implementadas, de modo a garantir que os direitos e a integridade dos pacientes sejam plenamente resguardados.

Sobre o autor:

Mariana Brito

Advogada consumerista, especialista em Bioética e Biodireito, Mestra pela Unesa e Presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB Niterói

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