A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou, por unanimidade, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) à pena de 10 anos de reclusão em regime fechado pelos crimes de invasão de dispositivo informático (art. 154-A, § 2º, do Código Penal) e falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal), praticados em continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal). O coacusado Walter Delgatti foi condenado a 8 anos e 3 meses de reclusão, também em regime fechado.
Parlamentar foi considerada mentora e beneficiária de ataques cibernéticos ao sistema judiciário
Segundo o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, a ré utilizou seu mandato parlamentar para arregimentar o coacusado Walter Delgatti, reconhecido por seu conhecimento técnico em crimes cibernéticos, a fim de promover invasões a sistemas sensíveis do CNJ, como o Sistema de Controle de Acesso (SCA), o Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU), o Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), entre outros.
Além de instigar a prática criminosa, a deputada federal elaborou pessoalmente o texto de um falso mandado de prisão em nome do próprio ministro relator, o qual foi posteriormente disseminado por meio de veículos de imprensa. A Corte entendeu que a ação visava minar a confiança no sistema de justiça e favorecer interesses político-partidários da ré.
Relator destaca gravidade das infrações e vinculação com o mandato parlamentar
Na dosimetria da pena, o relator considerou agravantes como a culpabilidade acentuada, a instrumentalização do mandato eletivo, as circunstâncias e consequências dos crimes, além dos motivos de ordem política. Ressaltou-se que as infrações ocorreram às vésperas dos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, evidenciando a intencionalidade de enfraquecer as instituições da República.
As penas atribuídas à ré somaram 10 anos de reclusão, além de 200 dias-multa, fixados no valor unitário de 10 salários mínimos. O regime inicial fechado foi determinado em virtude da gravidade e reiteração das condutas criminosas.
Crimes envolveram inserção de documentos falsos e acesso não autorizado a sistemas judiciais
O colegiado reconheceu que, sob orientação de Carla Zambelli, Walter Delgatti praticou 13 invasões qualificadas a sistemas do CNJ, adulterando dados e credenciais para gerar documentos fraudulentos, como alvarás de soltura, ordens de bloqueio de valores e requisições de quebra de sigilo bancário.
Essas ações ensejaram a imputação de 13 crimes de invasão de dispositivo informático (art. 154-A, §2º, do Código Penal) e 16 crimes de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal), todos praticados em continuidade delitiva. A Corte rejeitou a aplicação da consunção, reconhecendo o concurso material entre os delitos, dada a tutela de bens jurídicos distintos.
STF também decreta perda de mandato e impõe indenização por danos materiais e morais coletivos
Além da pena privativa de liberdade, a decisão determinou a perda do mandato parlamentar da ré, conforme previsão do artigo 55, inciso III, e §3º da Constituição Federal, em razão do impedimento de comparecimento às sessões legislativas durante cumprimento da pena em regime fechado.
O Supremo fixou ainda indenização mínima no valor de R$ 2 milhões, a ser paga solidariamente pelos réus, a título de danos materiais e morais coletivos, em razão dos prejuízos à Administração da Justiça e à credibilidade das instituições democráticas.
Legislação de referência
Código Penal
Art. 154-A. Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Pena: reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se da invasão resulta prejuízo econômico.
Art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena: reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.
Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido.
Constituição Federal
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
§ 3º – Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
Nos demais casos, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
Lei Complementar nº 64/1990 (Lei da Ficha Limpa)
Art. 1º. São inelegíveis:
I – para qualquer cargo:
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:
[…] praticados contra a fé pública, a administração pública e o patrimônio público.
Lei nº 7.347/1985 (Ação Civil Pública)
Art. 13. Os valores da indenização de danos morais coletivos e dos lucros ilícitos auferidos pelos réus reverterão ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos.
Processo relacionado: AP 2428