A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que a prova oriunda do exterior pode ser utilizada como notitia criminis em processo penal brasileiro, desde que as provas que fundamentam a condenação sejam integralmente colhidas em território nacional e em conformidade com o devido processo legal. A decisão foi relatada pelo Ministro Sebastião Reis Júnior e proferida em 22 de abril de 2025.
Questão jurídica envolvida
A controvérsia analisada dizia respeito à validade de prova estrangeira utilizada no início da investigação, especialmente diante da alegada quebra da cadeia de custódia desse material. A defesa questionava a admissibilidade da comunicação recebida de autoridades britânicas, que identificou conexões no Brasil durante apuração de crimes de pedofilia no exterior.
Contexto da decisão
O caso teve início com o recebimento de informações por parte da Polícia Federal, encaminhadas por autoridades do Reino Unido, sobre suspeitas de envolvimento de usuários brasileiros em uma rede internacional de exploração sexual infantil. Essa comunicação, prática reconhecida de cooperação internacional, foi o ponto de partida da investigação.
Após o recebimento da notitia criminis, as autoridades brasileiras instauraram inquérito próprio e adotaram todas as medidas investigativas conforme os trâmites previstos na legislação nacional. Com base nesses elementos, o Ministério Público Federal solicitou mandado de busca e apreensão, deferido por juiz competente, o que resultou na coleta de provas em território nacional.
Fundamentos jurídicos do julgamento
O STJ entendeu que a validade das provas utilizadas para condenação do acusado não foi comprometida pela origem estrangeira da notitia criminis. Isso porque a prova estrangeira não foi utilizada como prova de mérito, mas apenas como ponto de partida da investigação. A condenação baseou-se exclusivamente nas provas produzidas no Brasil, mediante controle judicial, perícia técnica e garantias constitucionais do processo penal.
O argumento da defesa sobre eventual quebra de cadeia de custódia da prova estrangeira foi considerado irrelevante. Para o colegiado, como a decisão condenatória se fundou em provas autônomas colhidas no Brasil, não se exige a verificação formal da cadeia de custódia da comunicação inicial oriunda do exterior.
Impactos práticos da decisão
A decisão reforça a possibilidade de uso de comunicações internacionais como elementos iniciais de investigação criminal no Brasil, principalmente em crimes transnacionais, sem comprometer a validade do processo, desde que todas as etapas de produção probatória obedeçam aos requisitos formais e constitucionais previstos na legislação nacional.
Trata-se de importante precedente para a cooperação penal internacional, especialmente em casos que envolvem redes criminosas atuantes além das fronteiras, como é comum em crimes cibernéticos e de exploração sexual.
Legislação de referência
Constituição Federal
Art. 5º, inciso LIV
“Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”
Código de Processo Penal
Art. 6º
“Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: […]”
Art. 157
“São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.”
Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime)
Art. 158-A
“A cadeia de custódia é o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.”
Lei 13.445/2017
Art. 26
“O Brasil poderá cooperar com outros Estados e organismos internacionais em matéria de migração, inclusive no âmbito da prevenção e repressão de crimes transnacionais.”
Lei 13.709/2018 (LGPD)
Art. 7º, §3º
“O tratamento posterior dos dados pessoais poderá ser realizado para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador.”
Fonte: Superior Tribunal de Justiça