A sentença trata da colisão entre os direitos fundamentais à liberdade de expressão e à dignidade da pessoa humana, abordando também os limites da imunidade parlamentar material prevista no artigo 53 da Constituição Federal. O juiz concluiu que o discurso proferido por Nikolas Ferreira, embora realizado no Plenário da Câmara dos Deputados, extrapolou os limites do exercício do mandato ao configurar discurso de ódio transfóbico. A decisão destaca que nenhum direito fundamental é absoluto e que manifestações discriminatórias não estão protegidas pela imunidade parlamentar nem pela liberdade de expressão.
Contexto do caso e fundamentação da decisão
A ação civil pública foi proposta por entidades da sociedade civil em razão do discurso feito por Nikolas Ferreira no Dia Internacional das Mulheres, quando o parlamentar utilizou uma peruca e se identificou como “Deputada Nikole”. O conteúdo da manifestação foi considerado ofensivo à identidade de gênero da população trans e replicado em redes sociais.
A sentença afirmou que o discurso proferido “desbordou dos limites do direito à livre manifestação do pensamento” e configurou “verdadeiro discurso de ódio”. O juiz avaliou que, ainda que a fala tenha ocorrido dentro da Câmara, a imunidade parlamentar não se aplica quando há abuso de direito, sobretudo com conteúdo discriminatório. A conduta foi considerada ilícita por ofensa a valores constitucionais e à dignidade da população trans.
Impactos práticos da decisão
O juiz fixou indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 200.000,00, a ser revertida ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD). A sentença também confirmou a ordem de remoção de postagens ofensivas nas redes sociais do réu. Contudo, foram negados os pedidos de retratação pública e imposição de medidas de compliance, sob o fundamento de que tais exigências violariam a liberdade de manifestação de pensamento do parlamentar.
A decisão reitera o entendimento de que agentes públicos podem ser responsabilizados civilmente por falas ofensivas, mesmo no exercício de suas funções, quando há abuso e violação de direitos fundamentais de grupos vulneráveis.
Legislação de referência
Constituição Federal de 1988
- Art. 5º, IV – “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
- Art. 53, caput – “os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.
- Art. 1º, III – “a República Federativa do Brasil tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana”.
- Art. 3º, IV – “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Código Civil
- Art. 187 – “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos costumes”.
Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública)
- Art. 18 – “nas ações previstas nesta Lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas”.
Súmula 54 do STJ – “os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”.
Súmula 362 do STJ – “a correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”.
Processo relacionado: 0720279-88.2023.8.07.0001