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Os pressupostos específicos dos contratos empresariais e sua integração com a Análise Econômica do Direito

As particularidades dos contratos entre empresários sob a ótica da racionalidade econômica e da autonomia privada

Trocas econômicas são um dos principais fatores para o desenvolvimento das nações. Em Estados organizados essas trocas são disciplinadas por meio de contratos regidos por um arcabouço jurídico de normas que regem as transações privadas.

O Direito Privado brasileiro atualmente é estabelecido em quatro grandes ramos autônomos que normatizam as principais relações jurídicas, não obstante leis especiais tratarem de contratos atípicos.

Em linhas bem amplas, o Direito Civil traça as disposições gerais e cuida dos contratos que vinculam “não empresários”. Contratos “entre empresários” são regulados pelo Direito Empresarial e possuem pressupostos distintos. O tradicional Direito do Trabalho normatiza os contratos “entre empresa e empregado”; enquanto os contratos entre empresário (fornecedor) e consumidor estão na alçada do Direito Consumerista.

Na prática, um contrato de compra e venda, por exemplo, pode enquadrar-se como empresarial, civil ou de consumo, a depender do tipo de relação instaurada entre as partes. A diferença entre eles será definida em função dos pressupostos e das partes envolvidas (se consumidor, fornecedor, empresário, ou não empresário).

Os contratos empresariais envolvem partes que exercem atividade empresarial e unem-se em uma relação jurídica em função de sua atividade econômica, organizada e com fim lucrativo. Nessa relação, parte-se da presunção de que as partes são dotadas de conhecimentos específicos, que lhes dão condições de negociar as cláusulas do contrato de acordo com os seus interesses, de modo que somente em situações excepcionais haverá quebra da situação paritária encontrada no momento da contratação. Aqui deve ser considerado o conteúdo da Análise Econômica do Direito.

Nas relações de consumo, por sua vez, o fornecedor e o consumidor estabelecem vínculo jurídico que o Direito presume desigual, já que o último não dispõe de conhecimentos específicos suficientes sobre o produto ou serviço que adquire. Ainda, normalmente, o consumidor entra na relação negocial sem a possibilidade de influenciar nas cláusulas contratuais, situação que lhe impõe regras pré-estabelecidas. Desta forma, o Direito o considera hipossuficiente e, assim, para estabelecer o reequilíbrio da sua posição contratual, determina medidas como a inversão do ônus da prova, a nulidades de cláusulas abusivas, o ressarcimento em dobro de cobranças indevidas, o dever de máxima informação, entre outros.  

Apesar dessas claras diferenças há uma discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos empresariais, quando a experiência demonstrar que o poder negocial de alguns empresários é superior ao de outros, e que tal desigualdade pode influir no processo de contratação. O jurista Fábio Ulhoa Coelho defende a integração do Código de Defesa do Consumidor ao Direito Empresarial visando tutelar o empresário vulnerável. A discussão aqui não é saber se existe vínculo de consumo entre empresas. Esse é outro tópico. Mas, sim, se devem ser aplicados princípios do Direito do Consumidor no Direito Empresarial.

O Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.195.642-RJ), no mesmo sentido do citado jurista, já aplicou o Código de Defesa do Consumidor para regular um contrato empresarial. No caso concreto, determinou que o empresário hipossuficiente demonstrasse a sua situação de vulnerabilidade, seja técnica, informacional, jurídica, econômica ou fática.

Contudo, embora seja um entendimento passível de respeito, acredita-se não ser necessária a aplicação da legislação do Direito do Consumidor para tal caso concreto, haja vista que o Direito Empresarial possui ferramentas para normatizar tal cenário sem a necessidade do uso daquela integração. Importante salientar que as relações de consumo apresentam contornos antagônicos aos vistos nas relações entre empresas.

O Título V do Código Civil, que trata dos contratos em geral, traz em seu Capítulo I importantes disposições a serem observadas nas relações contratuais que se aplicam aos contratos civis e empresariais. Assim, a lei é firme em determinar que há liberdade de contratar (art. 421), respeitada a função social do contrato.

Nas relações contratuais privadas prevalecerá o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão do contrato (art. 421, parágrafo único). Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção (art. 421-A). As partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução (art. 421, I).

A alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada (art. 421, II) e a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada (art. 421, III) observada a probidade e a boa-fé objetiva (art. 422).

Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias será adotada a interpretação mais favorável ao aderente (art. 423). E, quando nos contratos de adesão houver cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio ou supressão de obrigações inerentes à finalidade do contrato, essas cláusulas serão nulas (art. 424).

Note que o próprio Codex tutela a função econômica dos contratos empresariais exigindo o cumprimento de deveres compatíveis com as legítimas expectativas dos contratantes e definindo os ‘usos e costumes’ como baliza de interpretação (art. 113, § 1º, II).

Ainda, na doutrina, Paula A. Forgioni posiciona-se favoravelmente à autonomia dos contratos empresariais:

“As interações e iterações que acontecem no mercado hão de ser agrupadas segundo os sujeitos que delas participam, pois é em virtude deles que as relações jurídicas acomodar-se-ão em torno de princípios comuns. Ou seja, na ordem jurídica do mercado, as relações são disciplinadas de acordo com o “status” das partes”.

Os contratos empresariais, para além da teoria geral dos contratos, devem ser analisados a partir de suas peculiaridades. Assim, para a sua adequada interpretação não se pode olvidar de considerar tais diferenças. Em sua obra, Paula A. Forgioni elenca várias características que os definem. Transcrevo abaixo apenas as mais fundamentais:

  1. Escopo de lucro: Nos contratos empresariais, ambos [ou todos] os polos são movidos pela busca do lucro, têm sua atividade – toda ela – voltada para a perseguição de vantagem econômica;
  2. O norte do contrato – sua função econômica: As partes não contratam pelo mero prazer de trocar declarações de vontade, ou seja, ao se vincularem, as empresas têm em vista determinado escopo, que se mescla com a função que esperam o negócio desempenhe; todo negócio possui uma função econômica;
  3. Agentes econômicos “ativos e probos”: Os agentes econômicos, em suas contratações, podem legitimamente presumir que a contraparte adotará comportamento semelhante àquele normalmente implementado pelos atores do mercado, pelos chamados agentes econômicos “ativos e probos”;
  4. Confiança nos contratos empresariais: A disciplina dos contratos empresariais deve privilegiar a confiança, tutelar a legítima expectativa; quanto maior o grau de confiança existente no mercado, menores os custos de transação e mais azeitado o fluxo de relações econômicas;
  5. Usos e costumes: Os usos e costumes são fonte de direito em constante atividade. O ordenamento estatal admite em seu seio, como vinculantes, as normas produzidas pelos agentes econômicos. Essas normas integram os contratos;
  6. Globalização e usos e costumes: As práticas contratuais tendem a uniformizar-se, em processo acelerado nos últimos anos pela globalização;
  7. Custos de transação: A empresa contrata porque entende que o negócio trar-lhe-á mais vantagens do que desvantagens. As contratações são também resultado dos custos de suas escolhas; o agente econômico, para obter a satisfação de sua necessidade, opta por aquela que entende ser a melhor alternativa disponível, ponderando os custos que deverá incorrer para a contratação de terceiros (“custos de transação”). Quanto menores os cursos de transação, maior a fluência das relações econômicas e o desenvolvimento;
  8. Contratos e necessidades dos agentes econômicos: As partes, quando negociam e contratam, não tomam confortavelmente assento diante de um código e escolhem, entre fórmulas preexistentes (i.e. tipificadas), aquela que mais lhe apraz. Os contratos empresariais nascem da prática dos comerciantes e raramente de tipos normativos preconcebidos por autoridades exógenas ao mercado;
  9. Oportunismo e vinculação: A parte gostaria de vincular o parceiro comercial e, ao mesmo tempo, permanecer livre para abandonar aquela relação e abraçar outra que eventualmente se apresente mais interessante;
  10. Desvio de pontos controvertidos: Por vezes, para não obstar a realização do negócio, as partes deliberadamente evitam tratar de questões que geram desconforto;
  11. Ambiente institucional: O negócio jurídico somente pode ser entendido na complexidade de seu contexto, cuja análise requer visão interdisciplinar;
  12. Tutela do crédito: A disciplina dos contratos empresariais prestigia a tutela do crédito;
  13. Egoísmo do agente econômico: A empresa perseguirá antes seu próprio interesse do que aquele do parceiro comercial;
  14. Forma nos contratos empresariais: No direito comercial, a forma assumida pelos negócios é instrumental ao bom fluxo de relações econômicas;
  15. Contratos e informações: A imposição de padrão jurídico quanto às informações que devem ser prestadas quando da celebração dos negócios permite o incremento do fluxo de relações econômicas;
  16. Informação e oportunismo (relação “principal/agente”): A empresa tende a utilizar a informação que detém em proveito próprio, e não naquele da contraparte;
  17.  Modificação do comportamento pós-contratual (moral hazard): A celebração do contrato pode levar à alteração do comportamento de uma parte, em detrimento da outra;
  18. Aumento da dependência econômica pelo contrato: O contrato pode levar ao aumento do grau de dependência econômica das partes.

Note que as diferenças entre os contratos empresariais e os contratos de consumo são bem relevantes. Não à toa estarem em ramos de Direito bem distintos.  

Contudo, na minha opinião, o fator mais robusto que sacramenta a autonomia dos contratos empresariais e refrata a aplicação de princípios do Direito do Consumidor nas relações contratuais empresariais é a Análise Econômica do Direito, que avalia o comportamento dos agentes a partir da escolha racional, do equilíbrio e da eficiência. Por meio dessa análise percebemos que além do enquadramento jurídico, a lógica econômica é elemento fundamental na relação contratual entre as empresas.

O processo de formação dos contratos empresariais redunda em um instrumento onde muitas questões são efetivadas de modo condizente com o ambiente econômico em que estão inseridas. Desta feita, os pressupostos desses contratos não podem ter a mesma consequência quando se fala das relações contratuais do Direito Consumerista. Isso porque estão presentes no ambiente empresarial todas aquelas peculiaridades bem elaboradas pela Professora Paula A. Forgioni.

Os contratos empresariais devem receber tratamento diferente daquele conferido aos contratos de consumo. A autonomia da vontade ganha contornos que não podem sofrer relativização automática, logo o controle judicial sobre cláusulas abusivas em contratos empresariais deve ser mais restrito do que em outros ramos do Direito Privado, até mesmo como mecanismo para evitar o natural oportunismo dos agentes econômicos.

Diante disso, pode-se concluir ser perfeitamente possível, mediante a aplicação do Código Civil e da sistemática do Direito Empresarial, preservar a lógica econômica que rege os contratos empresariais, bem como dar tratamento protetivo à parte vulnerável, sem necessidade de recurso ao Código de Defesa do Consumidor.

Referências:

FORGIONI, Paula A. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva.

BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF.

Sobre o autor:

Murshed Menezes Ali

Bacharel em Direito, com especialização em Regulação de Transportes (UFRJ) e Direito da Regulação (IDP), com mais de 20 anos de experiência no serviço público federal, tendo trabalhado com modelagem de concessão de infraestrutura na Agência Nacional de Transportes Terrestres e atualmente na INFRA S.A, onde realiza articulação com mercado e investidores para a celebração de contratos comerciais.

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