spot_img

Tema 1234 do STF: Como a nova regra para a compra de medicamentos em ações contra o SUS irá impactar negativamente nos tratamentos?

A decisão que vincula a compra de medicamentos via bloqueio judicial ao valor do PMVG pode restringir o acesso a tratamentos essenciais

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Sistema Único de Saúde (SUS) só pode adquirir medicamentos pelo menor preço estabelecido na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).

Embora a medida busque garantir economia e transparência na gestão pública, seus efeitos podem ser severos para os pacientes que dependem do SUS para tratamentos contínuos. Afinal, o menor preço nem sempre significa disponibilidade imediata, qualidade ou acesso garantido.

Ao atrelar a compra judicial de medicamentos ao Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG), o STF pode ter criado mais um obstáculo ao acesso a tratamentos essenciais. Com a lentidão do Judiciário e um SUS já sobrecarregado, quem paga a conta – e corre o risco – é o paciente.

O que diz a decisão do STF e por que ela foi tomada?

A decisão do STF determina que o SUS só pode adquirir medicamentos pelo PMVG, regulado pela CMED. Esse preço serve como um teto para evitar superfaturamentos e garantir que o poder público não pague valores excessivos por remédios.

A lógica por trás dessa determinação é racional: evitar desperdício de dinheiro público e impedir que laboratórios cobrem preços abusivos do governo. Embora a justificativa seja evitar abusos e superfaturamento, a realidade pode ser bem mais cruel para quem depende do sistema público de saúde: remédios inacessíveis, um Judiciário ainda mais sobrecarregado e, em última instância, vidas em risco.

Se antes a judicialização da saúde já era um gargalo no sistema, a exigência de que as compras determinadas pela Justiça sigam rigidamente o PMVG pode torná-lo ainda mais lento, aumentando o tempo de espera por medicamentos essenciais. E, quando se trata de saúde, o tempo pode ser o fator decisivo entre a vida e a morte.

O que diz a decisão e o que muda na prática?

O STF decidiu que, ao determinar a compra de medicamentos pelo SUS via decisão judicial, o juiz deve obedecer ao PMVG fixado pela CMED. Isso significa que o governo não pode pagar mais do que esse limite ao adquirir remédios por meio de decisões judiciais.

A ideia parece simples e lógica: impedir que o Judiciário autorize compras superfaturadas e garantir que o dinheiro público seja bem empregado. No entanto, na prática, isso pode criar mais problemas do que soluções, dificultando o acesso a medicamentos e colocando em risco pacientes que não podem esperar.

O impacto nos pacientes do SUS: risco de falta de medicamentos

A decisão pode criar obstáculos para o acesso a remédios essenciais. Isso ocorre porque:

  1. Nem sempre há oferta suficiente no preço estabelecido – Alguns laboratórios podem não ter interesse em vender ao governo pelo PMVG, reduzindo a disponibilidade de certos medicamentos no SUS.
  2. Risco de desabastecimento – Se os fornecedores não oferecerem os medicamentos pelo preço regulado, o SUS pode ficar impedido de comprá-los, levando a atrasos na entrega para os pacientes.
  3. Dificuldade de aquisição de remédios importados ou de produção limitada – Medicamentos mais raros ou importados podem não se enquadrar no PMVG, o que significa que o SUS pode não conseguir adquiri-los de forma legal.

Pacientes com doenças crônicas, como câncer, diabetes e doenças raras, podem ser os mais prejudicados, pois muitas vezes precisam de medicamentos específicos que não têm substitutos diretos.

A lentidão da Justiça pode custar vidas

A decisão do STF parte do pressuposto de que o Judiciário é capaz de operacionalizar a compra de medicamentos dentro dos parâmetros do PMVG de maneira eficiente. Mas a realidade é bem diferente.

Os tribunais brasileiros já estão saturados com processos de saúde. Os juízes, que deveriam apenas garantir o direito dos pacientes, agora terão que lidar com a burocracia de uma compra pública que exige negociações com fornecedores, tentativas frustradas de aquisição e bloqueios judiciais ineficazes.

Isso cria um novo problema: se o medicamento não estiver disponível pelo PMVG, o juiz terá que insistir na compra até encontrar um fornecedor disposto a vender por aquele valor. E esse processo pode levar semanas ou meses, tempo que muitos pacientes simplesmente não têm.

Na prática, a Justiça, que já não consegue dar respostas rápidas aos pedidos de medicamentos, ficará ainda mais lenta, ampliando o risco de desfecho fatal para pacientes que não podem esperar.

Os desafios na aquisição de medicamentos pelo PMVG

Além da burocracia judicial, há outros desafios evidentes na aplicação da decisão do STF:

  • Baixa oferta de medicamentos dentro do PMVG – Se as farmacêuticas não quiserem vender pelo preço regulado, o governo simplesmente não conseguirá comprar os remédios.
  • Dificuldade com medicamentos importados e de alto custo – Muitos tratamentos modernos, especialmente para doenças raras, são importados e podem não estar disponíveis no Brasil dentro do PMVG.
  • Falta de flexibilidade para casos urgentes – A decisão do STF não prevê exceções, o que significa que até pacientes em estado crítico podem ter que esperar indefinidamente.

Esse cenário pode empurrar ainda mais pacientes para um ciclo vicioso: a busca judicial pelo medicamento, a demora da decisão, a burocracia para viabilizar a compra e, em alguns casos, a morte antes que o remédio chegue.

Um Judiciário sobrecarregado e um sistema de saúde sem alternativas

A judicialização da saúde já é um problema grave no Brasil. Segundo o estudo “Judicialização da Saúde no Brasil: Perfil das Demandas, Causas e Propostas de Solução”, elaborado pelo CNJ, apenas em 2018 os gastos do governo com demandas judiciais para fornecimento de medicamentos ultrapassaram R$ 1,4 bilhão[1]. O problema não é apenas financeiro: o Judiciário não tem estrutura para lidar com demandas de saúde que exigem respostas urgentes.

Agora, ao condicionar a compra de medicamentos ao PMVG, o STF adiciona um novo entrave: o juiz se torna não apenas um garantidor de direitos, mas um operador da logística de compra do SUS. Mas será que o Judiciário tem preparo para isso? A resposta já sabemos: não tem.

O resultado inevitável será um Judiciário ainda mais congestionado e um SUS com menos alternativas para atender quem mais precisa.

Possíveis soluções e alternativas

Diante dos desafios impostos pela decisão, algumas medidas podem ajudar a minimizar impactos negativos:

  • Flexibilização da regra em casos específicos – Permitir exceções para medicamentos que não possuem oferta suficiente no PMVG.
  • Mecanismos de emergência para evitar desabastecimento – Criar formas de aquisição emergencial quando não houver fornecedores dentro do preço estipulado.
  • Ampliação do diálogo entre governo, indústria e sociedade – Maior transparência e negociação para garantir que os preços regulados sejam viáveis e que os medicamentos cheguem de fato aos pacientes.

Conclusão: uma decisão que pode custar caro para os pacientes

A intenção do STF pode ter sido boa: impedir abusos no fornecimento de medicamentos pelo SUS e garantir maior controle de gastos. Mas, na prática, a decisão cria um risco real para pacientes que dependem de tratamentos urgentes.

O Judiciário brasileiro já não consegue lidar com a judicialização da saúde com a agilidade necessária. Ao transferir para os juízes a obrigação de operacionalizar a compra pelo PMVG, o STF pode estar criando um gargalo ainda maior, tornando o processo mais lento e burocrático. E, para muitos pacientes, essa demora pode ser fatal.

Se o objetivo era evitar desperdício de dinheiro público, o que se desenha agora é um sistema ainda mais ineficiente e incapaz de atender a quem mais precisa. Enquanto isso, pacientes seguem lutando na Justiça não apenas por seus direitos, mas, muitas vezes, pela própria sobrevivência.


Referências

[1]Disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2018/01/f74c66d46cfea933bf22005ca50ec915.pdf

Sobre o autor:

Evilasio Tenorio

Titular do escritório TSA | Tenorio da Silva Advocacia, é especialista em Direito Médico, da Saúde e Civil. Com experiência na área jurídica de saúde, é membro de comissões relevantes da OAB e da Associação Brasileira de Advogados.

Siga a Cátedras:
Relacionadas

1 comentário

  1. […] do governo com demandas judiciais para fornecimento de medicamentos ultrapassaram R$ 1,4 bilhão[1]. O problema não é apenas financeiro: o Judiciário não tem estrutura para lidar com demandas de […]

Deixe um comentário:

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

- Publicidade -spot_img

Cadastre-se para receber nosso informativo diário

Últimas