A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a continuidade delitiva não impede a celebração de um acordo de não persecução penal (ANPP). No julgamento, também foi determinado que o ANPP pode ser aplicado retroativamente em processos penais em andamento, desde que o acordo seja firmado antes do trânsito em julgado e que os requisitos legais estejam presentes.
Caso envolvendo funcionário da Caixa Econômica Federal
O caso analisado envolveu um funcionário da Caixa Econômica Federal condenado por peculato em 16 oportunidades, entre 2010 e 2011. Ele foi acusado de se apropriar de valores da instituição por meio de fraudes e manipulações bancárias. Condenado com base na continuidade delitiva, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) inicialmente negou a possibilidade de ANPP, entendendo que a continuidade delitiva sugeria uma dedicação criminosa. No entanto, o STJ reverteu essa interpretação.
Crime continuado versus crime habitual
O relator, ministro Ribeiro Dantas, esclareceu que a continuidade delitiva, diferente do crime habitual, refere-se a infrações que ocorrem em sequência com similaridade de tempo, lugar e método. A continuidade delitiva busca evitar uma punição excessiva para delitos conectados e realizados de forma similar. Já a habitualidade, caracterizada pela prática recorrente de crimes, está entre os impedimentos ao ANPP, conforme previsto no artigo 28-A, parágrafo 2º, II, do CPP.
O ministro destacou que incluir a continuidade delitiva entre os impedimentos ao ANPP extrapola os limites da legislação, pois o legislador não restringiu essa possibilidade. Segundo ele, essa interpretação estrita assegura o equilíbrio entre o poder punitivo e as garantias constitucionais do acusado, evitando obstáculos não previstos.
Aplicação retroativa do ANPP em processos ainda em curso
O STJ também reafirmou que, embora o ANPP seja usualmente celebrado durante o inquérito policial, o acordo pode ser aplicado retroativamente antes do trânsito em julgado, desde que respeitados os critérios legais. Nesse caso, o ministro considerou que os requisitos para o acordo estavam presentes: ausência de violência ou grave ameaça, pena mínima inferior a quatro anos, ausência de reincidência dolosa e possibilidade de confissão formal.
Questão jurídica envolvida
A decisão define que a continuidade delitiva não inviabiliza o ANPP, assegurando o direito do réu de firmar o acordo em processos em andamento, desde que o trânsito em julgado não tenha ocorrido. Esse entendimento amplia o alcance do ANPP, permitindo sua aplicação em casos de menor gravidade e desafogando o sistema judicial.
Legislação de referência
Artigo 28-A, § 2º, II, do Código de Processo Penal:
“Impede o ANPP para crimes habituais e reincidências dolosas, sem mencionar continuidade delitiva como obstáculo.”
Processo relacionado: AREsp 2406856